Debates
Infância: tempo de descoberta, não de desempenho
Da Redação | 07 de agosto de 2025 - 00:50

Por Iara Mastine
Vivemos em uma sociedade marcada pela cultura da pressa, em
que tudo precisa ter forma, função e resultado imediato. E esse ritmo acelerado
invade, também, a infância.
As crianças aprendem aquilo que presenciam e vivenciam.
Muitas vezes, a forma como nos comunicamos com elas gera estresse e a sensação
de tempo acelerado. Exemplo disso é que, no momento da saída para a escola, os
pais já alertam: “Só temos cinco minutos! Vamos nos atrasar, todo dia é essa
dificuldade!”.
A fala indica impaciência em torno de uma rotina atribulada
e deixa a situação ainda mais difícil. Portanto, o melhor seria estabelecer uma
comunicação mais empática: “Crianças, ainda temos cinco minutos, vocês precisam
de ajuda?”. São os mesmos cinco minutos, porém, alertados com leveza e
respeito.
Espera-se que os pequenos aprendam o quanto antes, tenham
maior agilidade e rendam mais. O brincar espontâneo é substituído por
atividades estruturadas, a curiosidade cede lugar à performance, e o erro —
parte fundamental da aprendizagem — se torna indesejado.
Mas a infância não é um ensaio para a vida adulta. Ela é
vida em sua forma mais intensa, marcada pela descoberta, pela experimentação e
pelo encantamento diante do mundo. É nesse tempo livre de pressões que a
criança constrói quem ela é, desenvolve sua criatividade, regula as emoções e
aprende sobre o outro.
Quando exigimos que tudo tenha uma função imediata,
eliminamos o espaço da dúvida, da tentativa e do erro. E, sem erro, não há
aprendizado significativo. Foi com esse olhar que escrevi “O Rabisco”, uma
história que convida adultos e crianças a desacelerarem juntos.
A pressa em “ensinar” antes da hora compromete não apenas o desenvolvimento cognitivo, mas, também, o emocional. Crianças precisam de tempo para observar, repetir, perguntar e errar sem medo. A pausa, muitas vezes, ensina mais do que a correria. Elas devem sentir sua importância. Reconhecer que o tempo livre, muitas vezes visto como “tempo perdido”, é essencial.
É nesse intervalo que podem criar, reinventar e encontrar
sentido nas experiências. Brincar sem roteiro, desenhar livremente é mais do
que diversão: é uma forma profunda de conhecer o mundo e a si mesmas.
Além disso, o sentimento de pertencimento é vital nesse
processo. Quando a atividade faz sentido para a criança e ela se sente
respeitada e acolhida em seu ritmo, o engajamento surge naturalmente. E com
ele, a autoconfiança. Saber que se é capaz, que se tem valor mesmo quando não
se acerta de primeira, fortalece a autoestima e o desejo de aprender.
Criar, brincar, imaginar, explorar. Esses não são desvios do caminho, são o próprio caminho do desenvolvimento infantil. Precisamos resgatar o tempo da infância como momento de descoberta, e não de desempenho. Um tempo que respeita o ritmo, valoriza o processo e entende que crescer é, antes de tudo, viver com sentido.
Iara Mastine é psicóloga infantojuvenil e autora do livro “O
Rabisco”.