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O alto preço do continuísmo irresponsável
Tais medidas, entretanto, jamais foram implementadas. Essa necessidade, ainda que gritante, foi sempre sufocada pelos interesses eleitorais
Da Redação | 25 de junho de 2025 - 01:44

Por Samuel Hanan
Todos os presidentes do Brasil nas duas últimas décadas
sabiam e sabem da necessidade de cortar despesas, reduzir a gastança do governo
e o gigantismo da máquina pública para dispor de recursos destinados a
investimentos inadiáveis, por exemplo, em educação em tempo integral, em
melhoria da remuneração dos professores, emampliação das coberturas do Sistema
Único de Saúde (SUS), e em universalização dos serviços do saneamento básico,
hoje uma das maiores vergonhas nacionais, com impacto direto na saúde pública e
na qualidade de vida dos cidadãos.
Tais medidas, entretanto, jamais foram implementadas. Essa
necessidade, ainda que gritante, foi sempre sufocada pelos interesses
eleitorais – especialmente a reeleição – visando à manutenção do poder, como se
o país tivesse donatários em pleno século XXI. Para isso, nenhuma preocupação
em fazer o combate efetivo à corrupção e enorme boa vontade com a concessão de
privilégios, generosidade com disponibilização de recursos públicos para parte
da mídia e para os influenciadores sociais, com destaque para a área da
cultura. A caixa de bondades foi mantida aberta.
O preço dessa desastrosa opção, que perdura desde a
aprovação do instituto da reeleição, em 1997, tem sido muito elevado,
prejudicando a prestação de serviços essenciais com precaridades alarmantes,
além do brutal empobrecimento da população brasileira.
Não é necessário muito esforço para a comprovação dos
desastres causados por essas políticas governamentais que privilegiam poucos em
detrimento da grande massa carente, a plutocracia tomando o lugar da
democracia. Um bom exemplo são os gastos primários.
Em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso,
os gastos primários alcançaram o montante eǫuivalente a 14,7% do Produto
Interno Bruto (PIB), segundo dados do Tesouro Nacional, da Fundação Getúlio
Vargas (FGV) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na
sequência, ao final dos dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (2003/2010) esses gastos foram expandidos e chegaram a 17,0% do PIB.
Um aumento de 2,3 pontos percentuais, equivalentes hoje a R$ 269 bilhões/ano.
A irresponsabilidade continuou durante os 5 anos e 7 meses
dos governos da presidente Dilma Roussef e, com isso, os gastos primários
atingiram um recorde de 19,5% do PIB, ou seja, mais R$ 292 bilhões/ano, em
valores atualizados.
No período seguinte, nos governos de Michel Temer e de Jair
Bolsonaro, houve recuo de 19,5% para 18% do PIB nesses gastos. Mas voltou a
subir no biênio 2023/2024, já no terceiro governo de Lula, atingindo o nível de
20% do PIB. Significa dizer que o aumento entre 2002 até hoje custou mais para
o país 5,3 pontos percentuais do PIB, ou R$ 622 bilhões/ano em valores de hoje.
É preciso falar também sobre os privilégios concedidos ao
setor privado, por meio de renúncias
fiscais – os chamados gastos tributários - , igualmente responsáveis por
tornar o Brasil ainda mais desigual e injusto.
Em 2001, os gastos tributários da União eram equivalentes a
1,47% do PIB, cerca de R$172 bilhões/ ano). Em 2010, último ano do segundo
mandato do presidente Lula, já era mais do que o dobro. Correspondia a 3,60% do
PIB, ou aproximadamente R$ 420 bilhões/ano, em valores atualizados. A farra nos
gastos públicos se repetiu com a concessão desses privilégios no último ano da presidente
Dilma, quando já tinha atingido o nível de 4,33% do PIB, ou, em valores de
hoje, R$ 506 bilhões/ano.
O problema permanece em 2024, ano que deve fechar no absurdo
índice de 5,50% do PIB. Merece destaque a versão preliminar dos estudos da FGV
, de novembro. Amparada nos dados oficiais da Secretaria da Receita Federal e
das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs) dos estados brasileiros, essa
versão sinaliza que no ano as renúncias fiscais do governo geral atingirão
patamar ainda maior, de 6,9% do PIB, o corresponderia a R$ 807 bilhões/ano, ou
seja, mais de 20% do total da carga tributária nacional.
A dimensão da gravidade pode ser aferida por meio da
comparação do excesso da gastança da máquina pública (12,8% do PIB) com a média
dos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), de apenas 9,8 do PIB com a mesma despesa.
Se somados as despesas com o gigantismo do setor público,
com os gastos tributários, e com a corrupção do setor público (2,5% do PIB,
segundo estimativa das instituições), a conclusão é a de de que todo esse
desperdício que poderia ser evitado chega a 38% de toda a carga tributária
nacional, já bastante pesada para as pessoas físicas e jurídicas.
Não há defesa para essas priorizações equivocadas dos
governos brasileiros pós-1997 quando se olha para os indicadores sociais e se
constata sua degradação. Um exemplo é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),
medido a partir das condições de educação, renda e bem-estar da população.
Nesse índice, o Brasil caiu da 77ª posição em 2002 para a 88ª ou 89ª colocação
mundial em 2024.
No coeficiente Gini, que mede a distribuição de renda nas
nações, o país está estagnado, nas últimas décadas, entre as 10 piores nações
do planeta.
Vergonhoso também é o desempenho brasileiro no Índice de
Retorno de Bem Estar à Sociedade Brasileira (IRBES), estacionado na última
posição entre os 30 países de maior expressão econômica e com maior carga
tributária. Traduzindo: o Brasil cobra muitos impostos de seus cidadãos, porém
devolve a eles muito pouco em qualidade de vida.
Também não há nada a comemorar quando a questão é o combate
à corrupção porque da 69ª posição mundial em 2002 caímos em 2024 para a 104ª
colocação, de acordo com levantamento da Transparência Internacional.
A educação é outro exemplo do fracasso administrativo das
últimas décadas. Entre 56 países – os 38 membros da OCDE e mais 18 nações
convidadas pela instituição, o Brasil ficou na desonrosa 44° posição em 2024. E
como se não bastasse, o cidadão brasileiro vive com medo: o país é recordista
mundial em número absoluto de homicídios intencionais, índice que retrata bem a
situação da segurança urbana.
Durante décadas, o discurso do governo foi de que não se via
a necessidade de corte de gastos, de que a pressão por essa medida era
resultado da insensibilidade dos super-ricos que não querem pagar impostos
sobre seus ganhos, e outros argumentos do gênero.
Agora no início de dezembro, com atraso injustificável, o
governo apresentou medidas para o corte de R$ 327 bilhões, nos próximos seis
anos, sendo de R$ 70 bilhões no biênio 2025/2026. O mercado reagiu mal porque
foi uma decisão tardia, mal explicada e insuficiente. Afinal, se tais medidas
tivessem sido anunciadas há nove meses, em março, a taxa de juros Selic não
estaria nos níveis de hoje (11,25%), com possibilidade de chegar a 11,75% ou
12,00% até o final do ano e atingir até 13,5% em maio de 2025, conforme admitiu
o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Com anúncio mais cedo,
tampouco o país teria inflação supeior a 4,7% ao ano, acima do teto da meta.
Isso porque, em março de 2024, o Brasil tinha taxa Selic de 10,50% a.a. e a
dívida pública do governo geral (União, Estados e Municípios) não ultrapassava
R$ 8,3 trilhões. A demora provocou desconfiança e a escalada dos juros.
Será um preço alto a ser pago pelo povo brasileiro por culpa
da teimosia e da arrogância dos governantes. Isso porque, admitindo-se a taxa
média prevista pelo futuro presidente do Banco Central, o controle da inflação
levará a taxa Selic ao patamar entre 13,00% a 13,50% a.a. Com isso, a dívida
pública chegará a R$ 9,1 trilhões no fechamento de 2024. A conta final será da
ordem de R$ 199,33 bilhões (juros adiocionais), valor bem superior ao corte
anunciado para 2025 e 2026, cuja soma é estimada em R$ 70 bilhões. Tudo o que
foi anunciado com pompa e circunstância, portanto, terá efeito prático nulo.
Para quem acredita que não haveria outra saída, basta
lembrar que o governo poderia fazer cortes no excesso de gasto com o
funcionalismo público, hoje consumindo R$ 351 bilhões por ano, ou 3% do PIB.
Poderia ainda reduzir os gastos tributários, atualmente de R$ 646 bilhões/ano,
que correpondem a 5,50% do PIB. Ou atacar a corrupção, responsável por desvio
de 2,5% do PIB que, se reduzido a 1,5%, representaria cerca de R$ 175 bilhões.
Somente com essas três frentes a economia seria de R$ 1,17 trilhão por ano.
Cabe ao governo entender que melhor forma de governar e
administrar é prEver e não prOver. Uma simples troca de vogal mudaria a ação do
Estado brasileiro porque significaria a diferença entre planejar e buscar
alternativa a uma UTI ou recorrer ao Corpo de Bombeiros. Medidas emergenciais
nunca serão capazes de superar os resultados de bom planejamento.
Gastança gera déficit, que por sua vez produz dívidas. E
essas dívidas implicam em pagamentos adicionais de juros. Esse círculo vicioso
vai sangrando o Tesouro, o que significa a redução dos recursos necessários no
investimento em serviços essenciais. Os reflexos são inevitáveis: queda na
qualidade de vida e empobrecimento da população, que parece condenada a pagar
pelos equívocos dos governantes.
Definitivamente, o corte anunciado passou longe de ser um
bom presente de Natal para o sofrido povo brasileiro, ou ao menos uma
perspectiva otimista para o Ano Novo. O desejo colocado no topo da lista do
Papai Noel por toda a nação, acredito, sem dúvida é o de que os governos e
governantes parem de insistir na divisão dos brasileiros, demonizando ricos e
elegendo como vilões os empresários, os super-ricos, os banqueiros da Faria
Lima e os gestores altamente capazes do BACEN.
O Brasil precisa de todos os cidadãos, independentemente de
suas condições financeiras e de seu nível de escolaridade. E é necessário
fazermos uma reflexão sobre a responsabilidade de todos os 212,6 milhões de
brasileiros, (IBGE-29/08/2024) que elegeram democraticamente todos os
governantes pelo voto popular, porque respondemos por nossas escolhas e
decisões.
Fica o ensinamento de que nas próximas eleições temos que
votar com mais consciência e não apenas na base da simpatia ou das promessas do
candidato. Afinal, como afirmava corretamente o pensador, orador e líder
político norte-americano do século XIX Robert G. Ingersoll, “não há no mundo
nem recompensa, nem castigo, o que há são consequências”.
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de
macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi
vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à
deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br