Debates
Bosquímanos! Kung e o Equilíbrio
Da Redação | 22 de novembro de 2024 - 01:56
Por Giovani Marino Favero
Os !Kung, povo antigo do deserto do Kalahari, levam uma vida
que, à primeira vista, nos parece simples. Na vastidão arenosa da África, esses
guardiões das savanas e arbustos secos vivem em um silêncio cheio de vida, em
uma dança harmônica com a natureza. Sem as tecnologias que cercam a nossa vida,
os !Kung parecem nos observar do passado, como figuras de uma pintura que há
muito tempo esquecemos de apreciar.
Para nós, filhos da ciência, a vida dos !Kung levanta
questões desconfortáveis. Como conseguem viver tão bem, sem os avanços e as
seguranças que a ciência nos promete? “Vivem felizes, são ignorantes, e o
conhecimento não é melhor que a ignorância?”, poderia alguém dizer. “O que há
de tão especial no conhecimento?” De fato, para os !Kung, o que chamamos de
ciência é desnecessário. Seus “laboratórios” são o céu aberto e as areias
douradas, e seus “doutores” são os anciãos que, em noites frias, compartilham
histórias à beira do fogo, onde a experiência é repassada de boca em boca, numa
sabedoria que não depende de microscópios ou fórmulas.
A ciência nos trouxe longe. Desde as invenções mais
primitivas, até as tecnologias que exploram os confins do universo, o
conhecimento tem sido nossa tocha. Mas ele também é uma lâmina afiada, que
corta e molda o mundo conforme nossas vontades, e nem sempre isso leva à paz.
Em contrapartida, os !Kung têm uma compreensão instintiva do que significa o
suficiente. Caçam apenas o necessário, respeitam as migalhas da vida. Não se
preocupam em acumular riqueza, nem em competir por status. Para eles, cada dia
que nasce é um ciclo a ser vivido em plena aceitação, uma sabedoria que não se
encontra nos livros, mas no pulsar das veias e na batida dos corações.
Ao longo dos séculos, quantas civilizações não se
despedaçaram em busca de respostas e poder? Em nossa ânsia pelo novo, pelo
desconhecido, esquecemos muitas vezes de viver no presente. A ciência trouxe
remédios, é verdade. Mas trouxe também o veneno que polui rios e a pressa que
nos rouba o tempo. Os !Kung, por outro lado, parecem entender algo que nós, na
corrida pelo progresso, deixamos para trás: a beleza de estar onde se está, sem
querer mais do que o agora.
De fato, os !Kung não são “ignorantes”, mas sim, sábios de
uma sabedoria que renega a ânsia por controle. Talvez, no fundo, o que nos
incomoda neles é a ideia de que o conhecimento, apesar de todo o seu brilho,
não é o único caminho para a realização. Afinal, quem é mais feliz: aquele que
descobre como prolongar a vida, mas passa seus dias inquieto, ou aquele que
vive o tempo que tem em plena harmonia, sem pressa ou medo?
Em algum ponto, esquecemos que a felicidade e o conhecimento
não precisam andar juntos. Os !Kung nos mostram que talvez a maior ciência seja
justamente a que não está escrita em fórmulas ou guardada em laboratórios. Eles
nos lembram que a vida, em sua essência, é um ciclo de dar e receber, de ser e
estar, sem que se precise entender todas as engrenagens que movem o universo.
No fim, o que há de tão especial no conhecimento?
Giovani Marino Favero é professor associado do Departamento
de Biologia Geral da UEPG.