Debates
Bets colocam o comércio varejista em jogo
Da Redação | 03 de outubro de 2024 - 00:02
Por Fernando Moraes
A legalização das apostas esportivas eletrônicas no Brasil,
formalizada pela Lei nº 13.756/2018, introduziu as apostas de quota fixa,
permitindo aos apostadores conhecerem previamente os possíveis ganhos ou
perdas. Sua regulamentação veio a ocorrer em 2023, com a criação de uma Medida
Provisória que prevê taxas de operação e tributação sobre os lucros, visando a
transparência e o controle ao mercado, mas desafios como fraudes, vicio em
jogos e empresas fora das normas ainda persistem, exigindo maior fiscalização e
medidas governamentais.
O que nem o Ministério da Fazenda esperava é que a liberação
das apostas esportivas trouxesse consigo uma nova dinâmica econômica que está
causando impactos profundos e negativos, especialmente nas camadas mais
vulneráveis da população e, por consequência no comércio.
As apostas, popularmente conhecidas como "bets",
estão consumindo parte significativa da renda dos brasileiros, afetando
diretamente o comércio e o orçamento familiar, conforme indicam os mais
recentes dados e levantamentos, inclusive do próprio Banco Central.
Estrago
Para se ter uma ideia do estrago que os jogos estão
trazendo, um exemplo claro desse impacto é o resultado apresentado pela rede de
supermercados Assaí. A empresa apontou que o mercado de apostas esportivas tem
diminuído o volume de compras em seus estabelecimentos, uma vez que os
consumidores estão destinando uma parcela crescente de sua renda para jogos de
azar. Este fato confirma que o dinheiro, antes gasto em necessidades básicas,
agora está sendo redirecionado para as apostas, prejudicando diretamente o
comércio local e, consequentemente, a economia como um todo.
Bolsa Família
Outro dado alarmante é o levantamento realizado pelo Banco
Central (BC) que revelou que, somente no mês de agosto de 2024, beneficiários
do programa Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas eletrônicas, sendo
R$ 2 bilhões transferidos via Pix por chefes de família. Este montante
expressivo, retirado dos bolsos de milhões de brasileiros que dependem de
programas sociais, acende um sinal de alerta para o efeito devastador que esse
tipo de jogo pode ter no orçamento das famílias mais pobres.
O mais preocupante é que, embora o levantamento do BC tenha
se concentrado nas transações via Pix, o valor real gasto pode ser ainda maior,
já que outras formas de pagamento, como cartões de débito e crédito, não foram
incluídas na pesquisa. Além disso, não foram contabilizados os prêmios
recebidos pelos apostadores, sugerindo que, mesmo em um cenário de possíveis
ganhos, o impacto líquido sobre a renda familiar é considerável.
Círculo vicioso
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto,
expressou recentemente sua preocupação com o crescimento descontrolado das
apostas. Ele destacou que, desde janeiro, as transferências via Pix para
plataformas de apostas triplicaram, aumentando 200%. Esse fenômeno está
diretamente ligado ao aumento da inadimplência, especialmente entre as famílias
de baixa renda e, em muito breve, refletirá na retração das vendas no comércio
varejista.
A aposta, que inicialmente poderia parecer uma forma de
entretenimento, está se transformando em uma armadilha financeira, criando um
círculo vicioso de endividamento.
A correlação entre as apostas e o comprometimento da renda
das famílias mais pobres é clara. Muitas vezes, esses recursos são vitais para
a subsistência, o que agrava ainda mais a situação, deixando essas famílias sem
condições de cobrir suas necessidades básicas, como alimentação e saúde, além
de vestuários, eletrodomésticos e outros artigos necessários ao
consumidor.
Correr atrás do prejuízo
Agora ficou evidente que a liberação das apostas esportivas
no Brasil foi um erro. A falta de regulamentação e controle efetivo abriu as
portas para uma verdadeira "pandemia" de apostas, como bem definiu o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O governo federal anunciou, recentemente,
a suspensão das bets que não tiverem pedido autorização para operar no país,
mas essa medida é insuficiente. A regulamentação deveria ter sido mais rigorosa
desde o início, evitando que as apostas se tornassem uma das principais causas
de endividamento entre os brasileiros.
Agora, é hora de os governantes tomarem medidas enérgicas e
contundentes. Deputados federais, senadores, o presidente da República e o
Judiciário precisam agir para proteger as famílias brasileiras. A retirada
imediata dessas plataformas, enquanto não houver um controle adequado, é uma
medida urgente. Além disso, políticas públicas de conscientização sobre os
perigos do vício em jogos de azar devem ser implementadas para reduzir o
impacto social desse problema.
Resumindo, as apostas esportivas estão consumindo o
orçamento das famílias brasileiras e prejudicando o comércio, enquanto agravam
a situação de endividamento no país. A liberação do jogo de azar foi um erro
que precisa ser corrigido, e a pressão sobre os governantes deve continuar até
que medidas concretas e eficazes sejam tomadas para conter essa nova pandemia,
agora financeira.
Fernando Moraes é Presidente da Faciap - Federação das Associações
Comerciais e Empresariais do Paraná