Debates
Liberdade política sem liberdade econômica é ilusão
Da Redação | 01 de maio de 2024 - 02:57
Por Samuel Hanan
O filósofo, cientista político e escritor norte-americano
John Kenneth Galbraith (1908-2006), um dos mais influentes economistas liberais
do Século XX, imortalizou um pensamento que merece ser revivido no Brasil de
hoje. Escreveu Galbraith: “Nada mais eficaz para limitar a liberdade, incluindo
a liberdade de expressão, como a total falta de dinheiro”.
Cabe, então, uma reflexão que começa pela liberdade
econômica do cidadão brasileiro com base no Index – Economic Freedom, da
Heritage Foundation e The Wall Street Journal, de 2023.
Esse estudo englobou 186 países e avaliou o Estado de
Direito, o tamanho do governo, a eficiência regulatória e os mercados
financeiros. O resultado foi vexatório para o Brasil, que amargou a 127ª
posição, bem atrás do Chile, do Uruguai, do Paraguai e da Rússia (125ª).
Analisemos, agora, a questão da liberdade de expressão. De
acordo com o Relatório Anual sobre Liberdade de Expressão no Mundo, produzido
pela organização não-governamental Artigo 19, sediada em Londres e
com atuação na defesa e promoção dos direitos à liberdade de expressão e de
acesso à informação, também nesse quesito o Brasil ocupa posição vergonhosa. Em
2022 ficou em 89º lugar entre 161 nações analisadas com base em 25 indicadores
como liberdade de expressão geral, human score, liberdade de imprensa, liberdade
de expressão de ativistas e fatores como violência policial contra civis, e
assassinatos de ativistas de direitos humanos e de jornalistas onde há guerras,
dentre outros.
Isso apesar de os direitos à liberdade de imprensa e à livre
manifestação estarem previstos na Constituição Federal, mais precisamente
no artigo 5º, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais,
incisos IV, V, X, XIII e XIV, e no artigo 220, que trata da
Comunicação Social, respectivamente.
No ranking mundial de 2023 produzido pela organização
internacional Repórteres Sem Fronteiras com base na avaliação da organização de
seus registros sobre liberdade de imprensa, o Brasil ficou com a 92ª colocação
entre 180 países. Uma classificação muito ruim mesmo nas Américas. Exemplos do
resultado nessa parte do mundo: Costa Rica (10º), Canadá (18º), Uruguai (20º),
Chile (38º) Estados Unidos (45º), Argentina (52º) e Peru (88º).
A posição do Brasil somente é confortável perante o Brics,
grupo de países emergentes que tem como objetivo a cooperação econômica e o
desenvolvimento em conjunto. Nesse bloco, todas as demais nações têm desempenho
pior: Índia (138º), Rússia (148º), Egito (161º), Irã (164º), Arábia Saudita
(169º) e China (176º), todos países de regimes políticos com reconhecidos
problemas no respeito aos direitos individuais.
O estudo desses dados insuspeitos conduz à necessária análise sobre a interdependência da liberdade econômica, da liberdade política e da liberdade de expressão. São valores fundamentais no estado democrático de direito e que não conseguem existir uns sem os outros. Quem prega o contrário está vendendo ilusões.
Cabe, então, uma pergunta: existe, de fato, liberdade
política em um país onde 60,2% da população tem renda bruta mensal de até um
salário-mínimo (ou R$1.412,00), que com os descontos previdenciários de 7,5%
cai para R$1.306,10 líquidos/mês. Existe essa tal liberdade em um país no qual
12,6% de seus habitantes vivem na extrema pobreza, no qual 21% da população não
tem nenhuma renda de trabalho e onde 36% dos jovens entre 18 e 24 anos de idade
não trabalham nem estudam?
Nunca o Brasil esteve tão dividido entre direita e esquerda,
entre os progressistas (especialmente do Sul) e os conservadores, e entre os
donos do poder (donatários do Século XXI) e 92% da população (classes C, D e E
- vassalos modernos, sem direitos, apenas com deveres e submetidos a todos os
tipos de necessidade).
E isso, obviamente, não é nada bom. Em nada contribui para a
construção do país que todos os brasileiros almejam, com mais justiça social,
menos desigualdade, oportunidades para todas as classes sociais,
desenvolvimento e qualidade de vida para a população.
Caminhamos na direção contrária das almejadas liberdade
política, liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade econômica
consolidadas e perenes.
Diante de tantas encruzilhadas, a estrada segura para o país
está na ampla reforma política com ampla e efetiva participação da sociedade
civil. Somente ela será capaz de reconduzir o Brasil na direção de uma
sociedade livre, justa e solidária que hoje existe somente no artigo 3º
da Constituição Federal de 1988, sem que ainda tenha a necessária concretude na
vida de todos os 203 milhões de cidadãos deste país.
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de
macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi
vice-governador do Amazonas (1999-2002).