Debates
Separando o joio do trigo
Da Redação | 15 de novembro de 2022 - 00:35

Por Mário Sérgio de Melo
Diz o Evangelho de Mateus, Jesus contou a parábola do homem
que semeou o trigo em seu campo, mas durante a noite, enquanto todos dormiam,
veio seu inimigo e semeou o joio em meio ao trigo. Joio e trigo cresceriam e
formariam espigas ao mesmo tempo. Os servos perguntaram ao homem o que fazer, e
ele respondeu: “Deixem que cresçam. Na hora da colheita, juntem primeiro o
joio, amarrem-no em feixes, para ser queimado. Depois juntem o trigo e
guardem-no no celeiro.” Mateus ainda escreveu que o homem esperou que as
espigas se formassem para poder bem distinguir o joio do trigo. Se a separação
fosse feita antes, haveria a possibilidade de confundi-los.
Estas polarizadas eleições de 2022, que acirraram os
espíritos e têm provocado transtornos, tiveram, por outro lado, o mérito de
revelar as diferenças: quem é o joio a ser queimado, quem é o trigo a ser
levado ao celeiro? Pudera fôssemos capazes, dois milênios depois, de
compreender qual o exemplo de vida de Jesus, e qual o sentido das palavras
proferidas em suas parábolas. Vamos relembrar, Jesus é considerado o filho de
Deus, enviado para salvar a humanidade de seus erros. Sua mensagem foi de
humildade, solidariedade, amor, esperança, verdade, justiça... Jesus seria um
espírito de luz reencarnado entre os homens, para inspirá-los para o bem.
As religiões cristãs são as dominantes no mundo. Mas os
cristãos aprenderam e praticam os ensinamentos de Jesus? Se tivessem aprendido,
não teríamos tantas guerras e conflitos. Nem tanta injustiça na distribuição
das riquezas que a generosa Mãe Terra nos concede. Nem tanta miséria e tantos
refugiados que procuram escapar da fome, da violência e da humilhação. Nem
teríamos a degradação dos mares, das águas doces, dos solos cultiváveis, das
matas, da biodiversidade, da atmosfera que mantém o clima propício à vida no
planeta. Nem a indústria da guerra consumindo recursos suficientes para
resolver todos os problemas da humanidade. Nem teríamos a tecnologia que
poderia nos irmanar e emancipar sendo utilizada para espalhar mentiras e nos
manipular.
As eleições no Brasil mostraram dois lados: um é uma frente
ampla que reúne, em nome da democracia, até adversários no campo econômico,
unindo desde neoliberais que priorizam o mercado até aqueles que acreditam na
economia administrada pelo Estado; outro que não aceita o resultado de eleições
legítimas, compactua com uma indústria de mentiras, sente-se no direito de
agredir e transtornar a vida de viajantes e moradores, e advoga a violência
armada para defender suas crenças. Quem é o joio, quem é o trigo?
Se formos de fato cristãos, está na hora de separar o joio
do trigo. Disso depende a colheita de uma sociedade fundada nos princípios de
Jesus, que é sintetizada na frase: “Amai a Deus sobre todas as coisas, e ao
próximo como a ti mesmo.” Podemos ainda pensar que muitas são as noções de
quem, ou o quê, seja Deus. Mas parece haver consenso sobre qual a sua
manifestação: a natureza. Amar a Deus pode ser entendido como amar a natureza.
Autor é Professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG