Debates
Capitalismo é só um rótulo
Da Redação | 06 de novembro de 2021 - 03:11
Por
Diz um artigo sobre a COP26 que o problema é o capitalismo,
e não o clima. Essa afirmação nos faz pensar sobre o significado e as
consequências do que se abriga sob o rótulo de “capitalismo”. Porque, afinal, é
ele que, entre outras nefastas sequelas, ameaça o clima e a habitabilidade da
Terra.
“Capitalismo” traduz o arranjo econômico dominante no mundo
atual, acentuado a partir do final do século XVIII, com a Revolução Industrial.
Na verdade, o capitalismo pressupõe a propriedade privada dos meios de
produção, mas estes na prática usualmente são em parte controlados pelo poder
público. Daí um capitalismo híbrido, não puro. Como nunca foram puras as
experiências socialistas, comunistas e anarquistas, no que diz respeito a suas faces
econômicas.
Mas é o capitalismo que acentua uma característica que já
foi denominada “o espírito animal” dos empreendedores: a ambição desmesurada
daqueles que alcançam e detêm o controle dos meios de produção. A sofreguidão
do lucro e do poder a qualquer custo destrói qualquer princípio ético,
solidário, cristão. De um lado os capitalistas empanturram-se com fortunas
fabulosas que escondem em contas secretas em paraísos fiscais, de outro pagam
salários mesquinhos e mantêm um “exército de reserva” de desempregados, ávidos de
trocar sua condição miserável pelos empregos dos trabalhadores aviltados que
ousem reivindicar remuneração mais justa, e que, por essa ousadia, são
demitidos.
A ganância nutrida pelo capitalismo não é só desumana,
promotora da desigualdade e exclusão social. Ela é também predatória. Assim
como não vê as trágicas consequências sociais de seu afã, também não vê os desastrosos
efeitos ambientais. A ganância insaciável cega o discernimento. É uma obsessão
tão insensata que faz duvidar que sejamos de fato o Homo sapiens. Falta-nos o
elementar de sapiência para compreender o que é essencial para nossa
sobrevivência no planeta. Degradamos não só o clima, mas também o ar, as águas potáveis,
o mar, os solos férteis, a camada de ozônio, as florestas, empobrecemos a
biodiversidade, criamos condições para as pandemias de novos vírus...
A cobiça doentia é voraz. Nunca se satisfaz. Cria tanto as
imensas periferias pobres, nos arrabaldes das grandes cidades e nos países
subdesenvolvidos, como as promíscuas pocilgas de miséria, que geram os novos
vírus, e os desertos em regiões antes férteis. O ser humano, enfeitiçado pela
ganância, desumaniza-se. A competição, a necessidade de ganho e de poder,
supera a cooperação. Não consegue enxergar o alerta embutido na milenar
parábola do Rei Midas, que transforma em ouro tudo que toca, e assim acaba por
não ter mais com que se alimentar.
Capitalismo é o rótulo, o sistema econômico que acolhe a
ganância, esse traço de caráter herdado dos nossos ancestrais répteis do
Jurássico, quando a competição era essencial para a sobrevivência da espécie.
Hoje, a compreensão e a cooperação tornaram-se essenciais. Se não formos
capazes de praticá-las, acabaremos todos.
Mário Sérgio de Melo Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG