Debates
República: o primeiro degrau
Da Redação | 22 de outubro de 2021 - 01:39
Por Daniel Medeiros
Em 1873, um grupo de fazendeiros e profissionais liberais de
São Paulo fundou, na cidade de Itu, o Partido Republicano. Até 1889, quando
militares deram um golpe e depuseram o imperador, o Partido Republicano havia
conseguido eleger apenas três representantes para o Poder Legislativo. Fora os
debates restritos em alguns centros urbanos ou nos encontros da maçonaria, a
República era uma completa desconhecida da população. No documento de fundação,
as principais reivindicações dos republicanos eram a descentralização
administrativa e o direito de voltar a cobrar impostos. O país havia acabado de
sair da guerra do Paraguai e votado a Lei do Ventre Livre. O censo de 1872
mostrava um país pobre, analfabeto (80% da população não sabia ler e escrever)
e com infraestrutura precária, com 38% de brancos e ainda 15% de escravos.
A imigração ainda engatinhava, e não mais do que 1% da
população votava nas eleições legislativas. Ou seja, não havia, em um primeiro
momento, qualquer identificação entre o que queriam os republicanos e o que
havia no país. Em 1889, quando os militares, liderados por Deodoro da Fonseca -
que sempre dissera ser monarquista - aposentaram compulsoriamente o já abatido
monarca, D. Pedro II e sua herdeira, a princesa Isabel, eram ainda muito
populares, principalmente por causa da abolição da escravatura, tema ausente da
pauta dos republicanos, pelo menos até 1887.
Questões como a integração dos negros ao mercado de trabalho
por meio da cessão de terras ou formação técnica-profissionalizante, defendidas
por monarquistas como Joaquim Nabuco, recebiam somente a adesão de alguns
republicanos “radicais”, como Silva Jardim que, decepcionado com a República
por conta da forma como foi proclamada, deixou o Brasil para morrer na Itália
em 1891. Abolicionistas históricos, como José do Patrocínio, também seguiram o
imperador em seu exílio, decepcionados com a versão autoritária e
centralizadora da nova República. Uma das primeiras medidas de Deodoro foi a
censura aos jornais.
Ao mesmo tempo que o país dava um passo à frente, dava
outro para trás. A República, palavra que vem da expressão latina res
publica, isto é, coisa do povo, veio sem o povo, como destacaria mais tarde o
escritor Lima Barreto: “O Brasil não tem povo, tem público.”
No dia da proclamação, o jornalista republicano Aristides
Lobo, destacou o que viu, em uma carta escrita na tarde do dia 15 e publicada
no jornal Diário Popular do dia 18: "Eu quisera poder dar a esta data a
denominação seguinte: 15 de Novembro, primeiro ano de República; mas não posso
infelizmente fazê-lo. O que se fez é um degrau, talvez nem tanto, para o
advento da grande era. Em todo o caso, o que está feito, pode ser muito, se os
homens que vão tomar a responsabilidade do poder tiverem juízo, patriotismo e
sincero amor à liberdade.
Como trabalho de saneamento, a obra é edificante. Por ora, a cor do Governo é
puramente militar, e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a
colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo
bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava.”
Nos cento e tantos anos do regime republicano, já tivemos
ditaduras civis e militares, oligarquias, governos populistas, renúncias,
suicídio e impeachments. Subimos os degraus esperados por Aristides?
Alguns, sem dúvida. O suficiente? Longe disso. E o que esperar? Com a palavra,
os jovens. E boa sorte com a tarefa.
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor
no Curso Positivo.
[email protected]
@profdanielmedeiros