Debates
A pandemia e o silêncio
Da Redação | 24 de março de 2021 - 01:33
Por Luís Fernando Lopes
Necessidade nem sempre percebida por todos, o silêncio, como
expressa o jargão, é paradoxalmente uma prática eloquente. Silenciar interna e
externamente é necessário, ainda que nem sempre o contexto no qual vivemos
favoreça.
Como fazer silêncio imerso em tanto barulho. São os sons da
cidade, dos carros, dos equipamentos que utilizamos, dos computadores,
celulares, eletrodomésticos e a lista continuaria crescente exponencialmente.
Entretanto, esses barulhos talvez não sejam os mais
perturbadores. As preocupações interiores que carregamos, o diálogo
ininterrupto que realizamos conosco mesmos sobre nossas contas, compromissos,
trabalho, amores, paixões, entre outras, acabam por nos afastar de nós mesmos.
Há tempo e espaço para muitas coisas no diálogo interior, mas o eu interior que
conversa consigo mesmo parece estar distraído, desligado de si, preocupado,
ocupado demais para realmente falar consigo.
Para citar uma ideia já conhecida: sentimo-nos como se
tivéssemos sido “roubados de nós mesmos”. Mas o que ou quem provocou ou está
provocando isso?
Talvez você esteja pensando nos barulhos externos, nas
obrigações, nos compromissos, nos prazos, que provavelmente são fatores que
conduzem a essa situação de distanciamento de si, ainda que todas essas ações
sejam feitas com o intuído de ser reconhecido, valorizado, estimado. Contudo,
não obstante, a importância do trabalho e a necessidade de manter as contas em
dia, é preciso se perguntar: o que realmente importa? Afinal, só temos uma
vida, ou no máximo poderemos viver uma vida de cada vez, dependendo da crença
pessoal.
Então, será que no meio de tantos compromissos e
preocupações, barulhos, contas, tarefas, não é possível arranjar algum tempo e
espaço para devolver-se a si mesmo? Conseguir tempo e espaço para o silêncio
interior para a autoconsciência que, além de nos tornar mais cientes das
próprias qualidades e limites, provavelmente nos auxiliará em nosso
relacionamento com os outros e com o planeta.
Excesso de barulho exterior ou interior pode ser uma forma
de fugir do encontro consigo mesmo. O silêncio interior poderá ser um grande
remédio contra a indiferença. O ser humano importa. Há pessoas sofrendo perto e
longe de nós, mas se não encontramos tempo e espaço para nós mesmos, atenção
para o que realmente somos como será possível importar-se com os outros?
Você já se deu ou ainda se dá conta ao acordar dos sons da
natureza? O canto dos pássaros, o barulho do vento... Ou ainda apenas escuta os
carros que saem um a um do seu condomínio, que passam na rua, os passos pesados
no corredor, as portas batendo, o som alto do vizinho...Barulhos que nos
afastam de nós e nos recordam as próprias preocupações e ocupações, mesmo que
seja possível realizá-las a partir de casa.
A pandemia nos forçou a ficar mais tempo dentro de casa, mas
não necessariamente nos conduziu para dentro de nós mesmo. Esse caminho precisa
ser trilhado caso contrário de que adiantará todo o reconhecimento e sucesso se
eles nos afastarem do nosso eu interior. Então, que tal praticar um pouco o
silêncio interior?
Luís Fernando Lopes é Doutor em Educação e Professor do
Curso de Filosofia, da Área de Humanidades do Centro Universitário
Internacional UNINTER