Debates
Valor justo em privatizações
Da Redação | 01 de novembro de 2019 - 03:21
Por Fernando Dias Cabral
Quando o assunto é privatização, parece não haver dúvidas,
todos querem a mesma coisa: o redimensionamento do tamanho do governo. Empresas
públicas deficitárias, desserviços e casos de corrupção são alguns poucos
exemplos que justificam o desejo coletivo. Não importa se a desestatização será
via privatização, concessão ou PPP (public-private partnership); Para a maioria,
ela precisa ocorrer. A venda de uma instituição pública, porém, abre caminho
para um debate sem solução: qual o valor justo destas empresas?
No radar estão 119 projetos federais, 56 em vias de
concessão e 16 privatizações, incluindo empresas importantes como os Correios,
Infraero e Telebrás. Os restantes ainda estão em fase de estudos e sem
cronograma definido, pois dependem do aval do congresso. De maneira geral, a
prática atual de privatizações pode ser dividida em duas etapas: elaboração de
laudo de avaliação e oferta pública em leilão. A primeira consiste em trabalhos
de consultoria especializada em valuation, que reconhecem, por meio de
premissas, o potencial de geração de caixa. Posteriormente, na segunda etapa,
no limite dos valores apresentados no laudo, estabelecem como piso o maior
valor. Em parte, essa conduta pode ser explicada porque, via de regra, o setor
público exige o melhor preço, transparência e garantia de prestação de
serviços, entre outros fatores.
Nesses moldes, a alienação ou a concessão de uma empresa
pública se torna fruto de um leilão pernicioso, onde o reconhecimento do valor
justo é ofuscado pelo temor do quanto o concorrente está disposto a pagar.
Sobretudo se este concorrente for capaz de obter vantagens estratégicas perante
os outros. Então, para não perder, inicia-se uma espécie de “vale tudo” em que
o preço proposto (por vezes) supera a viabilidade econômica para o ofertante. A
quantidade de interessados e a incerteza do valor resulta, no que se chama, de
fenômeno “maldição do vencedor”, que é quando paga-se mais do que o ativo
realmente vale.
Um caso emblemático conhecido é a concessão do aeroporto de
Viracopos controlada pela Triunfo e UTC Participações. Na época, pagaram R$3,82
bilhões (ágio de 159%) em relação ao mínimo estabelecido de R$1,47 bilhão. O
segundo maior lance foi de R$2,52 bilhões. Valeu a pena? Hoje eles estão
tentando uma recuperação judicial com dívida próxima de R$2,88 bilhões. Motivos
não faltam, vão desde a frustração pela demanda fraca de passageiros e carga
até questões ligadas ao fraco desempenho econômico.
Frente ao exposto, nota-se que os dois lados fracassam, o
governo e a empresa. Aparentemente, o governo sai vitorioso recebendo o melhor
preço, mas perde quando tenta cumprir seu papel social. E as empresas,
amaldiçoadas pela sua vitória, quando reconhecem as perdas, tendem a tomar
medidas amargas que não contribuem para a melhoria dos serviços aos cidadãos.
Deste modo, buscam caminhos para cortar custos ou aumentar preços na tentativa
de recuperar as perdas. O resultado? A sociedade perde na qualidade dos
serviços ou sofre com o abuso de preços.
Obviamente, não se pode vender empresas públicas da mesma
forma como se vende empresas privadas. Em leilão privado objetiva-se a máxima
dos ganhos aos acionistas e, se naufragar para quem comprou, outros ocuparão
seu papel. No caso de empresas públicas privatizadas, mesmo não sendo estas de
segurança nacional ou voltadas para o interesse social, se inviabilizadas
economicamente, afetam a vida do cidadão comum e a imagem dos órgãos
públicos.
Por fim, parece claro que a forma de condução das
desestatizações caminha de maneira errada. Do lado privado, caberia aos
investidores interessados analisar de maneira mais profunda qual o valor justo
limite, sem perder o foco e o propósito estratégico do negócio. Já ao governo
seria mais prudente se conduzisse o leilão estabelecendo uma relação entre
remuneração fixa e variável, sendo parte do pagamento fixo com base no piso da
avaliação mais uma remuneração variável, com prêmio anual de longo prazo medido
por desempenho, garantindo assim ao vencedor a manutenção das operações e à
sociedade um serviço de qualidade. Afinal, o valor piso em leilão já é a máxima
do valuation.
Fernando Dias Cabral é bacharel em Administração de Empresas pela UNAERP com especialização em Controladoria e Finanças pela Fundace/Fea – USP Ribeirão Preto. Como avaliador de empresas na Gordon Valuations, tem mais de cinquenta avaliações registradas desde 2007. No papel de advisor, já prestou assessoria para empresas de diversos segmentos e tamanhos. Como profundo estudioso e pesquisador das áreas de Finanças e Custos Gerenciais, lançou recentemente a obra Avaliação de empresas – e os desafios que vão além do Fair Value, pela Lura Editorial.