Debates
Eutanásia e o direito à vida
Da Redação | 17 de março de 2019 - 14:52
Por Fernanda de Sá e Benevides Carneiro
Sabemos que a vida é um valor absoluto e deve ser
preservada, mas e quando sua manutenção resulta em um enorme sofrimento e a
própria pessoa, no exercício da sua liberdade individual, quer dar um fim à dor
que tornou sua existência insuportável? A discussão é difícil, mas necessária.
Em alguns lugares do mundo tal prática já foi regulamentada,
como é o caso da Colômbia que autoriza que a pessoa tendo uma doença terminal e
incurável decida pedir a antecipação de sua morte, o que deve ser acatado se a
pessoa estiver no gozo de suas atividades mentais.
Mas aqui no Brasil ainda não se permite a cessação da vida
desta forma, no qual a eutanásia é crime, podendo caracterizar o ilícito penal
de várias formas, vejamos uma delas; caso um terceiro, médico ou familiar do
doente terminal lhe dê a morte, estaremos diante do homicídio, que,
eventualmente teria tratamento penal privilegiado, atenuando-se a pena, pelo
relevante valor moral.
Outra forma de crime eutanásico é quando o terceiro auxilia
o próprio doente para que este se lhe dê a própria morte, sendo um tipo de
auxílio ao suicídio, pois pune-se alguém que estimulando, induzindo ou
auxiliando, colabora para que o doente se mate. Neste exemplo, as formas de
colaboração são as mais diversas, desde o fornecimento de uma arma, até a
colocação de equipamentos vitais, ao alcance do doente, que ao desligá-lo vem a
falecer. A instigação e o induzimento, embora de prova difícil, poderá ser
determinante para que a eutanásia se consume.
A comissão de reforma do Código Penal brasileiro estuda essa
questão e traz uma alternativa que merece estudos, vejamos o que diz o projeto:
Eutanásia § 3.º. Se o autor do crime é cônjuge, companheiro,
ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição
à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito
anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença
grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena reclusão, de dois
a cinco anos. Exclusão de ilicitude § 4.º. Não constitui crime deixar de manter
a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos
a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente
ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou
irmão.
Estes dispositivos revelam que a tendência da comissão é
manter criminalizada a eutanásia, excetuando quando o agente deixar de manter a
vida de alguém por meio artificial, ou seja, ligado à aparelhos, desde que
previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e
desde que haja consentimento do paciente ou, de parentes.
Ora a vida é Dom de Deus e assim sendo, ela se basta, não
precisando ter qualquer adjetivação, o que satisfaz a natureza humana é estar
vivo, na condição de saúde que for, porquanto no plano religioso, jamais
teremos condições de entender os desígnios do Criador, restando-nos, portanto,
apenas viver, brindados que fomos com a dádiva maior que, insisto, é a própria
vida.
Quanto ao tráfico de órgãos humanos seria a última
menção que me leva a reiterar o risco da
legalização da eutanásia, pois qualquer pessoa enferma deve ser vista como alvo
de tratamento, jamais como prateleira de órgãos humanos prontos a servir quem
melhor oferta fizer, mesmo que tal custe a vida daquele miserável. O mundo vem
conhecendo essas máfias e a legalização da eutanásia seria um belo serviço
prestado a essa modalidade de crime.
Assim, confirma-se a obrigatoriedade do médico em não se
praticar a eutanásia. Conforme o parecer da Associação Mundial de Medicina, em
Outubro de 1987, sobre a eutanásia “é um procedimento que contraria a ética, o
que não impede que o médico respeite a vontade do paciente, de permitir que o
processo da morte siga seu curso natural na fase terminal da doença”.
Parcialmente de acordo com o parecer da Associação Mundial de Medicina, O New
York State Committee on Bioethical Issues (“Comitê sobre Questões Bio-éticas do
Estado de Nova Iorque”) concorda no que diz respeito à eutanásia, mas dá espaço
para que o médico ofereça um tratamento efetivo para o alívio da dor e do
sofrimento, ainda que possa antecipar a morte. (Harold I. Kaplan; Benjamin J.
Sadock; Jack A. Grebb. Compêndio de Psiquiatria: Ciências do Comportamento e
Psiquiatria Clínica. 7 ed. Porto Algre. Rio Grande do Sul. Greupo A: Editora
Artmed, 2012. p. 87).
Resumindo não se permite no Brasil a prática de eutanásia, com
fulcro no Código de Ética Médica (Resolução nº 1.931/2009, do CFM) que veda
ao médico que cause um “dano ao
paciente, por ação ou omissão” (art. 1º, CEM). O parágrafo único do mesmo
artigo diz que a responsabilidade médica é pessoal e não presumida e ainda
destacando o que determina a Constituição Federal de 1988 que tem como direito
fundamental a vida no art. 5º, caput.
Autoria: Fernanda de Sá e Benevides Carneiro é Advogada
proprietária do escritório de advocacia Fernanda de Sá Carneiro, pós graduada
pela Escola da Magistratura do Paraná e Direito do Trabalho e Direito
Processual do Trabalho pelo Instituto Busato de Ensino, e cursando
especialização em Direito Processual Civil pela UEPG