Coluna MSN: Umbigo do mundo
“Vivemos em busca de uma maneira de voltar a um lugar seguro”
Publicado: 16/01/2024, 15:26
Aniversário é uma coisa que me irrita. Evito qualquer comemoração no meu e vou aos dos amigos e parentes sempre com algum desconforto de alma. Essas situações exigem palavras convencionais, gestos um tanto falsos, alegria explícita e um culto convencional à vida. O ato de apagar as velas me parece o mais cruel de todo o ritual. Apagam-se os anos vividos até ali.
Nos dois primeiros aniversários, meus filhos não tiveram festa ou coisas parecidas, o que geralmente é feito mais para os pais. Espero que não tenham ficado com traumas. Depois, conforme foram crescendo, as comemorações vieram e me submeti a elas contra meus hábitos casmurros. Hoje, eles também evitam grandes expansões em suas datas natalícias.
Na minha, há um código. Nada de presentes, nada de jantar fora, nada de brindes ou de menções de qualquer natureza. Tudo que aceito é um almoço melhorzinho. Bolo com as terríveis velinhas então, nem pensar! E assim que completo uma idade, já passo a pertencer à próxima. Estou sempre um ano à frente da minha permanência neste planeta que também envelhece com uma rapidez crescente.
Apesar deste histórico, venho aqui para marcar uma data. Não posso dizer que comemorativa, pois é mortuária. Hoje, é o aniversário de um mês da morte de minha mãe. Se não valorizo a passagem de ano, como me submeto a esta unidade tão menor? Não sei o que mudou em mim, mas mudou.
Amanhã vou até Peabiru e visitarei o túmulo dela que, graças aos muitos amigos, foi, no dia do enterro, soterrado por coroas de flores, o que deu alguma leveza a momento tão triste.
Uma das buscas mais determinantes para um indivíduo é a do umbigo do mundo. O lugar que o conecta com o planeta como um todo. Como rodei por muitas cidades em mais de um continente, havia uma dúvida de qual seria este centro. Agora posso dizer com toda a convicção. O umbigo do mundo, para mim, é onde minha mãe está depositada, cinco lajes abaixo da superfície. É por meio dela que me ligo a um solo, a um grupo social, a uma existência.
Esta crônica é uma vela acesa em sua homenagem.
O autor é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa. No Instagram: @sanchesnetomiguel; no Facebook: https://www.facebook.com/miguelsanchesneto; no Twitter: @miguelsanchesnt.