Coluna Fragmentos: O casamento e o divórcio no Brasil
A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro
Publicado: 25/08/2023, 00:01
Em 1933 Gilberto Freyre publicou a obra que o tornaria conhecido junto ao grande público e que marcaria o seu nome perante a intelectualidade mundial. Em Casa-grande & Senzala, o sociólogo pernambucano produz um rico e aprofundado estudo a respeito da sociedade colonial brasileira destacando sua organização, práticas, valores e características gerais.
Esse trabalho de Freyre representou um marco na interpretação nacional sobre a formação brasileira e, apesar de receber inúmeras e merecidas críticas nas décadas seguintes, tornou-se uma referência obrigatória para historiadores, sociólogos, antropólogos e outros estudiosos que se dedicam ao estudo dos processos de construção da realidade nacional.
Foi em Casa-Grande & Senzala que Gilberto Freyre inaugurou a discussão a respeito das relações familiares e da formação de uma instituição tipicamente tupiniquim: a família patriarcal brasileira, um desdobramento da colonização portuguesa na América.
Nesse sentido, a sua principal contribuição foi a de traçar o perfil desse modelo familiar e de evidenciar o predomínio de uma estrutura patriarcal que se apoiou em uma dominação patrimonial – nesse caso a posse da terra – e em uma absoluta submissão e devoção pessoal por parte das esposas.
No nordeste açucareiro do século XVI é possível afirmar que as famílias patriarcais eram o centro ao redor do qual gravitava a sociedade colonial, ditando regras socioculturais, estabelecendo leis (mesmo que de modo informal) e superando, em importância, o Estado português. Essa instituição (a família patriarcal colonial) tornou-se o centro da produção econômica, das práticas religiosas e da vida política colonial, sobrepondo-se a qualquer outra instituição no território brasileiro, sobretudo no primeiro século da ocupação lusitana.
A base legal na qual se estruturava a família colonial era o casamento, o qual seguia as leis civis portuguesas e geralmente ocorria entre membros de famílias próximas, garantindo assim a manutenção do controle político e econômico da sociedade brasileira. É daí que surgem as tradicionais famílias que historicamente controlam a política nacional e que, até os dias atuais, ainda exercem poder político (sobretudo) em diversos estados do nordeste brasileiro.
Entre as mulheres, as preferidas para o casamento eram as brancas (nascidas no Brasil ou vindas de Portugal). Segundo Freyre, casar com negras ou nativas era algo que significava diminuir socialmente o marido. Desta forma, foi comum a vinda de mulheres da metrópole para a colônia (desde órfãs até meretrizes) com o fim exclusivo de contrair matrimônio, o que não impediu o grande número de relações informais entre os homens brancos e indígenas ou africanas, o que levou a uma intensa miscigenação, outra característica da sociedade brasileira destacada em Casa-Grande & Senzala.
Desta forma, o casamento tornou-se uma das instituições fundamentais da nossa sociedade desde os seus primórdios. Tal fato, associado aos valores cristãos predominantes no país e o contexto político brasileiro da década de 1970 (período marcado pelo autoritarismo e por um forte discurso moralizador) ajudam a entender a forte resistência ao projeto que acabou levando a aprovação do divórcio no Brasil em 1977, como é possível evidenciar pela nota publicada no JM naquele ano.
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O divórcio no Brasil
O divórcio – do latim divortium (separar-se) – é, na prática, a oficialização do rompimento definitivo do vínculo do casamento civil. No Brasil, a lei do divórcio foi aprovada em 1977, ano em que o presidente Ernesto Geisel, apesar de uma forte pressão de diversos setores conservadores da sociedade e da resistência de boa parte do Congresso Nacional, sancionou o projeto apresentado pelo Senador Nelson Carneiro regulamentando o divórcio no país.
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Nelson Carneiro
O jornalista Nelson de Sousa Carneiro é baiano de nascimento, mas a maior parte de sua carreira política ocorreu no Rio de Janeiro. Foi eleito deputado em 1947, quando apresentou o seu primeiro projeto a favor do divórcio no Brasil. Em 1966, com o bipartidarismo, ingressou no MDB, sendo eleito senador pela Guanabara (1970). Em 1989, cumprindo o seu terceiro mandato no Senado, foi escolhido presidente da Casa.
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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.
Publicada originalmente no dia 20 de março de 2011.
Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.