Coluna Fragmentos: A formação de operários e o ensino profissionalizante no Brasil | aRede
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Coluna Fragmentos: A formação de operários e o ensino profissionalizante no Brasil

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Matéria publicada no JM em 10 de março de 1956
Matéria publicada no JM em 10 de março de 1956 -

João Gabriel Vieira

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O português Pero de Magalhães Gândavo, cronista que, no século XVI, acompanhou o processo de colonização lusitano na América, escreveu certa vez que: “se uma pessoa chega na terra (Brasil) a alcançar dois pares, ou meia dúzia de escravos (ainda que outra coisa não tenha de seu) logo tem remédio para poder HONRADAMENTE sustentar sua família: porque um lhe pesca, e outro lhe caça, os outros lhe cultivam e granjeiam roças...” (História da Província de Santa Cruz, 1576).

A observação feita por Gândavo nos ajuda a perceber que no Brasil, o trabalho (sobretudo braçal) sempre foi considerado como algo depreciativo e “naturalmente” destinado aos escravos, jamais aos senhores destes. Sendo assim, foi associado ao estigma da escravidão e da servidão, uma vez que, compulsoriamente, índios e negros africanos serviram como mão-de-obra desde o início da colonização.

A educação jesuítica também contribuiu para que tal visão se cristalizasse, uma vez que a era eminentemente intelectual e acabava por separar as pessoas socialmente melhor posicionadas de qualquer tipo de trabalho físico ou atividade manual. Do ponto de vista da legislação colonial, uma das exigências necessárias para o desempenho de funções públicas, era de que o candidato jamais tivesse desempenhado qualquer espécie de trabalho braçal.

Até o século XIX, momento em que o Brasil conseguiu sua independência de Portugal, tais (pré)conceitos mantiveram-se praticamente intocados. Porém, nesse período, observam-se pequenas alterações nas dimensões do universo do trabalho. Logo após chegar ao Brasil (1808), D. João VI criou o Colégio de Fábricas, primeiro estabelecimento de ensino público nacional voltado para a formação de aprendizes. Pouco depois, a Constituição Imperial, outorgada em 1824, não fez nenhuma menção à regulamentação do trabalho, tampouco ao ensino de ofícios. 

No ano de 1827, foi instituído o primeiro projeto de regulamentação do ensino público no Brasil, o qual tratou do ensino de ofícios nas escolas primárias e nos Liceus. Cerca de duas décadas depois o governo imperial estabeleceu um novo projeto de formação profissional, e nele incluiu escravos, órfãos e mendigos como sua clientela principal. Em seguida, D. Pedro II criou o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, destinado ao ensino de ofícios de deficientes. Nesse Instituto, os cegos aprendiam tipografia e os surdos-mudos encadernação e sapataria.

Por um decreto, publicado em 1854, o Império passou a se responsabilizar oficialmente pela profissionalização de menores abandonados, enviando-os para as oficinas públicas, onde aprendiam obrigatoriamente um ofício braçal.

A abolição dos escravos (1888) e a proclamação da República (1889), situam-se em um momento de mudanças generalizadas no Brasil, e, nesse contexto, observa-se a emergência de uma nova realidade no que diz respeito ao ensino de ofícios no país. O governo republicano incentivou a criação de escolas técnicas profissionais em todo território nacional.

Setores sociais emergentes, vinculados ao processo de industrialização então em curso no país, passaram a defender o fortalecimento de um sistema de ensino voltado para a formação profissional. O objetivo era a constituição de uma mão-de-obra preparada para assumir postos de trabalho nas indústrias nascentes. Em 1910 já existiam 19 Escolas de Ofícios espalhadas pelo Brasil, todas ligadas ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. 

Após 1930, essas escolas passaram a ser geridas pelo Ministério da Educação e Saúde Pública e tiveram seus nomes mudados para Escolas de Aprendizes e Artífices. Tais Escolas destinavam aos seus alunos uma formação integralmente voltada para o treinamento e o adestramento dos mesmos.

Na década de 1950, momento em que foi publicada a matéria exposta por esta coluna, verifica-se uma crescente ampliação das políticas públicas dirigidas à formação e qualificação dos trabalhadores urbanos em todo território nacional. Nesse contexto, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) destacou-se como a primeira indústria metalúrgica brasileira, e seus qualificados operários HONRADAMENTE projetaram-se como uma espécie de elite entre os trabalhadores nacionais. De certa forma, era de inversão do axioma apresentado por Gândavo. Mesmo assim, até os dias atuais ainda persiste um preconceito – velado ou explícito – com relação às pessoas que sobrevivem em nosso país as custas do trabalho braçal. 

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 24 de fevereiro de 2008.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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