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O golpe de 64 ou a infância roubada de uma democracia

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Gabriel Sartini

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Prof. Ms. Marcos Roberto Kusnick

Professor Colaborador do Depto. de História/UEPG

Citando uma frase do antigo primeiro ministro (conservador) do Reino Unido, Winston Churchill, “a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos”.  Nossos “conservadores”, porém, ao longo da história republicana do Brasil deram seguidas demonstrações de que não pensam o mesmo.

Na República Velha, entre 1889 e 1930, tínhamos um simulacro de democracia: uma oligarquia se revezado no poder apoiada no coronelismo e em sistema eleitoral e que convidava a fraude e a coerção, já que o voto não era secreto e os mecanismos de verificação eram no mínimo discutíveis.

Em 1930 Getúlio Vargas sai vitorioso de uma revolução e se mantém no poder por 15 anos em um período que, apesar dos inegáveis avanços como no que diz respeito a legislação trabalhista, na implementação do voto secreto e a inclusão das mulheres no processo eleitoral, governava  com poder verticalizado voltado para a figura do Presidente da República.  Getúlio renuncia em 1945 dando fim ao Estado Novo.

O que se segue é, na minha avaliação, o período em que pela primeira vez em quase 450 anos a participação popular seria mais ampla e os problemas nacionais debatidos a partir de uma perspectiva mais democrática. Uma democracia na sua primeira infância, cheia de imperfeições, mas que dava sinais de finalmente incluir o povo como protagonista político.

É o período do “populismo” como é classificado por muitos, que vai do governo Dutra iniciado em 1945 até o golpe de 31 de março de 1964. Nunca as reivindicações e os desejos de mudanças estruturais em nosso país tinham sido tão intensos e tão orientados pela participação popular.

A velha direita não perdoaria esse deslocamento de poder, e não aceitaria tão facilmente a participação do povo na política e a inclusão de demandas sociais na pauta do país.

Por três ocasiões tentaram o golpe: em 1954 Getúlio Vargas, então presidente eleito, sofre tremenda pressão. Apenas a comoção nacional gerada por seu suicídio detém os conspiradores. Com a renúncia de Jânio Quadros em 1961 o então vice-presidente João Goulart quase não assume devido a outra intervenção de natureza golpista. O parlamentarismo é implantado no Brasil para com vistas a enfraquecer os poderes presidenciais, porém em 1963 um plebiscito restaura o presidencialismo e os poderes constitucionais de Jango.

Já na tentativa de evitar a posse de Jango alegando “perigo comunista” a Guerra Fria oferecia o subsídio ideológico para desmantelar o “populismo”. Aproveitando-se deste contexto e do hoje bem documentado suporte dos Estados Unidos, que planejavam inclusive uma intervenção militar caso um governo de sua predileção não assumisse o controle do país, finalmente em 1964 conspiradores militares, é bom que sempre lembremos, apoiados por setores da Igreja, do empresariado nacional e estrangeiros e com as bênçãos de Washington derrubam o presidente constitucional e roubam a infância de nossa democracia.

Por quase 21 anos o povo foi alijado como ator político. Embora o regime militar enfrentasse protestos, focos de resistência – inclusive armada - e visse a ascensão de um novo sindicalismo a maioria da população caiu em um processo de sonolência participativa como se a noite de 31 de março de 1964 tivesse durado décadas.

O fim do regime não significou presidente eleito, nem mesmo com os colossais comícios das Diretas Já.  Após a infausta morte de Tancredo Neves um antigo homem da ARENA, partido de suporte ao regime militar, José Sarney assume gerenciado o legado da ditadura: uma economia de capitalismo dependente associado, com setores produtivos atrofiados e com uma dívida externa que em valores de hoje atingiriam 1,2 trilhões de dólares. Não, os militares e seus associados não eram os incríveis administradores de recursos públicos como muita gente boa supõem.

O final do governo Sarney, o primeiro civil ainda que não eleito, terminou de forma melancólica com uma inflação mensal de passava dos 80% ao mês.

Porém a pior herança da ditadura foi ter roubado a infância de nossa democracia. Sim, como dizia o velho Churchill, a democracia é a pior forma de governo fora todas as outras. Mais que isso, para que a democracia exista um preço deve ser pago: acreditarmos nela. Demagogia, políticos corruptos, má gestão do dinheiro público, falta de participação popular... a tudo isso uma democracia está sujeita e para todos estes males ela mesma tem condições de encontrar uma saída.

Não é o que acontece em uma ditadura. A nossa atrasou o embate de idéias presente no início dos anos 60, acabou com carreiras, ceifou vidas e, na metade dos anos 80 nos atirou no colo do neoliberalismo que vicejava pelo mundo. Nossa inocência nos levou até Collor e além...

Hoje, 50 anos depois do golpe nos cabe retomar o tempo perdido e amadurecer nossa democracia que se não pode ser perfeita ainda pode, certamente, ser muito melhor.

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