Debates
Entre memórias e afetos: o presente dos mais velhos
Da Redação | 03 de dezembro de 2025 - 00:48
Por Elaine Ribeiro
Fim de ano é um tempo propício para o reencontro: com as pessoas, com as memórias e, de certa forma, também conosco — com aquilo que fizemos ou deixamos de fazer, com os planos que não saíram como imaginávamos ou até mesmo aqueles que ficaram no papel. É tempo de planejar, avaliar novas possibilidades e recomeçar.
Para muitos, a rotina intensa de trabalho desacelera um pouco, abrindo espaço para conversas demoradas, lembranças, gestos simples e de carinho que reacendem vínculos afetivos.
Contudo, vivemos em uma sociedade que parece ter pressa, sem tempo para ouvir. Nossos dias são marcados por uma busca constante por novidade, produtividade e juventude — um ciclo acelerado que tem silenciado justamente aqueles que carregam a maior riqueza que possuímos: os mais velhos e suas histórias.
Como psicóloga, observo com frequência o quanto o envelhecimento tem sido acompanhado por sentimentos de invisibilidade e desvalorização, reforçados por uma cultura que exalta a aparência jovem e teme o passar do tempo. Nesse processo, muitos idosos sentem que já não têm espaço para falar, ensinar ou inspirar.
Há, porém, uma beleza profunda no tempo, pois o envelhecer carrega tradições, conhecimentos, vivências, sabedoria e fatos que nenhum manual ensina, somente a vida vivida revela.
É no ciclo dessas histórias, contadas muitas vezes de forma simples, que a tradição é transmitida às próximas gerações. Com elas, passa-se também uma herança afetiva que dá sentido à nossa própria identidade.
Quantas vezes ouvimos a frase: “Nosso Natal nunca mais foi o mesmo depois que a “vó” se foi.”. Provavelmente você já ouviu — ou até disse — algo parecido. Quantas lembranças de Natal não têm o cheiro do bolo da avó, o assado no forno, o conselho do avô, a história repetida mil vezes que ainda faz todos rirem?
Esses pequenos gestos são o fio que tece o sentido de pertencimento. É pela escuta atenta que descobrimos que as narrativas dos mais velhos são verdadeiros tesouros, mapas afetivos que nos ajudam a entender quem somos e de onde viemos.
Ouvir essas histórias é também um gesto terapêutico: faz o idoso sentir-se reconhecido e pertencente e quem escuta reconecta-se com o essencial. Escutar de verdade é acolher os sentimentos que vêm junto (orgulho, saudade, medo, esperança), criando um encontro entre gerações que fortalece os laços familiares.
Na psicologia, compreendemos que nossa identidade também se constrói por meio da memória coletiva. Saber de onde viemos nos ajuda a compreender quem somos e quem queremos ser. Quando uma geração escuta a outra, não apenas preserva a história, mas também dá continuidade e reforça os vínculos afetivos.
Mais do que envelhecer “bonito”, sem rugas ou marcas, precisamos envelhecer com sentido e com história. Nossa vida é tecida também pelas vidas que ajudaram a formar a nossa. Mais do que parecer jovem, talvez o maior desafio seja aprender a ser inteiro. O corpo muda, mas a essência se amplia com o tempo.
Envelhecer bem não é apagar as marcas, e sim compreender o que elas trazem consigo. Não é um processo fácil, nem sempre leve, mas o valor da história de uma vida precisa ser urgentemente resgatado na formação de cada criança, no respeito a quem tem mais idade e na consciência de acolher quem já viveu tanto.
Neste fim de ano, procure desacelerar e escutar com o coração. Olhe para as pessoas mais velhas e veja, além do corpo que envelheceu, alguém com histórias e aprendizados, companheiros de jornada.
Entre este tempo de festas, fim de ciclo e início de um novo ano, que saibamos escutar e agradecer. Os mais velhos guardam em si a memória viva de quem somos, e é nesse legado, transmitido em palavras e gestos, que a vida se torna verdadeiramente eterna e mais bonita.
*Elaine Ribeiro é psicóloga clínica e organizacional e colaboradora da Comunidade Canção Nova. Instagram: @elaineribeiro_psicologa