Debates
O povo nas ruas
Da Redação | 02 de dezembro de 2025 - 01:37
Uma vibrante multidão de mais de trezentas mil pessoas nas
ruas do Rio, vestida de vermelho, excedendo-se nas manifestações. Não, não eram
progressistas, comemorando a isenção do imposto, o aumento do salário mínimo ou
os bons resultados na economia, nem se revoltando contra os PL’s da devastação
e da bandidagem, a PEC da blindagem ou a militarização das escolas. Eram os rubro-negros
flamenguistas comemorando o título da Libertadores. Aliás, num jogo de dar
vergonha belo baixo nível, cheio de chutões, infrações e falta de talento e
criatividade. Bom no jogo foi mesmo só o belo gol de Danilo, que lembrou o Dadá
Maravilha, o “beija-flor”, porque diziam que voava e pairava no ar para os
cabeceios fatais para o adversário. A meu ver, Danilo também protagonizou o
duelo mais relevante da final, anulando o atacante Vitor Roque do Palmeiras.
O mundo inteiro deve ter assistido à final sul-americana. Deve
ter se decepcionado. Não se viu nem sombra dos melhores times europeus. Apesar
de tanto Flamengo quanto Palmeiras terem em seus elencos muitos estrangeiros
garimpados em todo o continente. Nosso futebol carece de credibilidade para
preservar aqui os melhores, que sempre se bandeiam para a Europa ou outros
destinos milionários.
Mas o mais chocante é mesmo a impressão que, no Brasil, o
que mobiliza a população é o futebol. Tudo bem, se o povo não estivesse
seguindo as máximas de que só lhe interessa o pão e o circo, ou, como dizem
outros, religião e futebol são o ópio do povo. Por que motivo multidões não vão
às ruas comemorar o pleno emprego, o aumento da massa salarial, a redução do
IR, a expansão dos programas sociais, a melhora na economia, o crédito do país
nas tratativas internacionais? Ou não vão protestar contra o crime organizado
enraizado nos governos, nos bancos, na administração pública e em políticos
seus comparsas?
O Brasil venceu o complexo de vira-lata em 1958, na Suécia.
Até então, carregava a calamidade da derrota para o Uruguai em 1950. O futebol
nos resgatou. Mas desde então as coisas mudaram muito. O dinheiro tomou conta.
E os brasileiros ainda não sabem ser virtuosos com o dinheiro. No “país do
futebol”, fomos ficando para trás.
Mas, se tem nos faltado conseguir manter por aqui os
melhores craques, mais ainda tem nos faltado mobilizar o povo para lutar pelos
atributos que nos expurguem em definitivo o complexo de vira-lata. O povo não
vai às ruas pela sua dignidade, identidade, direitos e liberdade com o mesmo
ímpeto com o qual comemora um título obtido numa partida sofrível.
A desdém para a defesa de questões essenciais tem seus
motivos: a mídia corporativa é incansável em enviesar, ocultar e mentir; a
educação é concebida para criar comandados, e não críticos; a desigualdade
social parece intransponível; o histórico de escravagismo, colonialismo e
genocídio dos nativos ainda está impregnado na cultura...
O complexo de vira-lata vai ser superado quando o povo,
lúcido, for às ruas para reivindicar e celebrar sua plena emancipação.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG