Debates
O Paradoxo da Lei que Separa Saúde e Esgoto no Brasil
Da Redação | 16 de outubro de 2025 - 00:12

Por Geliandra Lopes Alves
A universalização dos serviços de saneamento básico não é
apenas uma meta de infraestrutura, é um imperativo moral e constitucional. É a
forma mais efetiva e estrutural de promover a dignidade da pessoa humana,
garantindo o mínimo existencial para milhões de cidadãos. No entanto, enquanto
a ciência e o direito atestam essa inseparabilidade, a legislação federal
insiste em criar um paradoxo que custa vidas e atrasa o desenvolvimento social.
O Saneamento Básico é o Núcleo Essencial da Saúde, para
tanto é fundamental que as políticas públicas reconheçam o serviço de
saneamento básico — que engloba coleta de resíduos, água tratada e,
crucialmente, esgotamento sanitário — como o núcleo essencial do direito
fundamental à saúde. Sem ele, qualquer investimento em hospitais e medicamentos
se torna paliativo, atacando a consequência, e não a causa. O conceito do
mínimo existencial afirma o dever do Estado de ofertar as prestações mínimas
que atendam às necessidades básicas dos indivíduos. Isso significa que para o
tripé da saúde humana e até da fauna ambiental, a ausência de acesso a água
limpa e tratamento de esgoto é, portanto, uma falha direta do Estado na
garantia da dignidade humana e viola a supremacia do direito a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
A universalização dos serviços de saneamento é imperiosa,
mas esbarra em um obstáculo legal que merece revisão urgente. A Lei
Complementar nº 141/2012 incorre em um grave equívoco ao excluir os serviços de
saneamento básico do percentual mínimo de investimento dos entes federativos em
saúde. Essa separação é insustentável. Dada a relação intrínseca e
cientificamente evidenciada entre saneamento e bem-estar, a legislação precisa
ser revista para permitir que recursos destinados à saúde sejam direcionados de
forma mais fluida para os serviços públicos de saneamento básico. Negar esse
uso é criar uma barreira que impede a alocação de verbas onde elas teriam o
maior impacto preventivo. Principalmente porque os custos na falha da prestação
de saneamento são incalculáveis em termos humanos e ambientais. A ausência ou a
falha na prestação desses serviços contribui para a ocorrência de uma série de
doenças evitáveis, tais como, esquistossomose, dengue, febre Chikungunya, zika
vírus e hepatite A que geralmente é transmitida por via fecal-oral através da
água. São tragédias silenciosas que poderiam ser evitadas pela eficiência e
universalização do esgotamento sanitário.
A Saúde começa no Esgoto, isto é, repensar as leis e as
políticas de saneamento básico não é uma opção, mas uma obrigação. A
universalização não é apenas sobre números e contratos, é sobre a saúde de
nossas crianças, a produtividade de nossos adultos e a preservação de nosso
meio ambiente.
Para que a dignidade da pessoa humana seja verdadeiramente efetivada, o Estado precisa remover o paradoxo criado pela LC 141/2012 e unir, no orçamento, o que já está unido na realidade, saúde e saneamento. A base da pirâmide da saúde pública é garantir que o direito a uma vida digna comece, de fato, com o cumprimento dos pilares do Saneamento Básico.

Geliandra Lopes Alves é advogada especialista em
Direito Ambiental e do Agronegócio, Master of Business Administration MBA em
Avaliação de Impacto Ambiental, com atuação em Compliance Ambiental e
Administrativo Público, CEO da ASIOTUS Consultoria Ambiental, Diretora do
Departamento de Gestão Ambiental na Secretaria Municipal do Meio Ambiente de
Ponta Grossa, Presidente da Comissão Permanente de Educação, Formação e
Capacitação Jurídica e Vice-Presidente da Comissão de Direito Ambiental da
OAB/PR Subseção Ponta Grossa.