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O peso da burocracia: como a ineficiência estatal custa R$ 1,7 trilhão ao Brasil
Da Redação | 26 de abril de 2025 - 03:24

Por André Charone
Nos últimos anos, o Brasil avançou na digitalização dos
serviços públicos. Hoje, é possível abrir uma empresa, emitir notas fiscais e
acessar portais do governo sem precisar sair de casa. Mas essa modernização,
embora necessária, não foi suficiente para resolver o problema estrutural: a
burocracia continua excessiva, complexa e cara, apenas ganhou uma interface
eletrônica.
É como digitalizar um labirinto: agora o caminho até o
objetivo é virtual, mas os obstáculos, redundâncias e exigências continuam lá,
talvez ainda mais sofisticados.
Segundo o Movimento Brasil Competitivo (MBC), o conjunto de
ineficiências que compõe o chamado “Custo Brasil” impõe um prejuízo de R$ 1,7
trilhão por ano à economia nacional, o equivalente a 20% do PIB. O maior
responsável? Um sistema estatal que não apenas atrasa, mas muitas vezes
inviabiliza o crescimento de quem quer empreender.
“O empresário brasileiro ainda precisa lidar com um volume
absurdo de exigências legais, fiscais, sanitárias, ambientais, municipais...
todas em plataformas diferentes, com lógicas distintas e obrigações que mudam o
tempo todo”, afirma André Charone. “A burocracia saiu do papel, mas não saiu do
caminho.”
A burocracia tributária: tempo, dinheiro e paciência
Um dos maiores entraves está no sistema tributário. De
acordo com o relatório Doing Business do Banco Mundial, uma empresa brasileira
gasta, em média, 1.501 horas por ano apenas para cumprir obrigações fiscais. Na
média dos países da OCDE, esse número cai para 159 horas, quase dez vezes
menos.
“Enquanto em outros países o empresário foca no que
realmente importa — vender, produzir, inovar, aqui ele precisa ser quase um
especialista em legislação tributária para evitar autuações”, diz Charone. “É
um modelo ineficiente, que alimenta a insegurança jurídica e corrói a
produtividade.”
Além da perda de tempo, o custo financeiro da burocracia é elevado. Empresas gastam fortunas com departamentos fiscais, softwares e consultorias apenas para garantir o mínimo: estar em dia com um sistema que muda, em média, 46 vezes por dia útil, segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Para o pequeno, a corda é ainda mais curta
A situação é ainda mais crítica para micro e pequenas
empresas. Um estudo do Sebrae revela que elas gastam até 22,5 dias úteis por
ano apenas com obrigações acessórias e questões burocráticas, o que compromete
o tempo de gestão, a inovação e a busca por novos mercados.
“É uma ironia cruel. O país que mais precisa de
empreendedorismo para gerar emprego e renda é o mesmo que cria os maiores
obstáculos para quem tenta empreender”, critica Charone.
Impacto na competitividade e na atração de investimentos
O impacto da burocracia se reflete diretamente na posição do
Brasil em rankings internacionais. No ranking de competitividade global do IMD
(World Competitiveness Center), o Brasil aparece em 57º lugar entre 63 países,
atrás de vizinhos latino-americanos como Chile e México.
A falta de previsibilidade, o excesso de regras e a lentidão
do setor público afastam investimentos estrangeiros e penalizam o setor
produtivo nacional.
“A lógica é simples: onde há segurança jurídica e ambiente
de negócios favorável, o capital floresce. Onde há papelada e incerteza, ele
foge”, resume Charone.
Existe saída?
Apesar dos desafios, existem iniciativas promissoras. O
Observatório do Custo Brasil, em parceria com o MBC e o governo federal, propôs
seis frentes prioritárias de atuação para reduzir entraves até 2035, incluindo
a digitalização do Estado, a simplificação tributária e o estímulo à
infraestrutura.
Segundo estimativas do projeto, seria possível reduzir em
até R$ 530 bilhões os custos extras das empresas brasileiras com ajustes nessas
áreas.
Para Charone, no entanto, é preciso mais do que planos:
“Temos boas propostas no papel, mas falta coragem para romper com a cultura
cartorial que domina a gestão pública. Não é só digitalizar: é repensar a
burocracia como um todo, com foco no cidadão e na produtividade.”
O custo da burocracia é, talvez, o maior obstáculo
silencioso ao desenvolvimento econômico do país. Mais do que uma questão
administrativa, trata-se de uma urgência econômica. Se o Brasil quiser ser
competitivo no século XXI, precisa desatar o nó que o mantém preso ao século
passado.
André Charone é contador, professor universitário, Mestre em Negócios Internacionais pela Must University (Flórida-EUA), possui MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV (São Paulo – Brasil) e certificação internacional pela Universidade de Harvard (Massachusetts-EUA) e Disney Institute (Flórida-EUA). É sócio do escritório Belconta – Belém Contabilidade e do Portal Neo Ensino, autor de livros e dezenas de artigos na área contábil, empresarial e educacional. André lançou recentemente o livro ‘A Verdade Sobre o Dinheiro: Lições de Finanças para o Seu Dia a Dia’, um guia prático e acessível para quem deseja alcançar a estabilidade financeira sem fórmulas mágicas ou promessas de enriquecimento fácil.