Debates
Ecologia profunda
Da Redação | 11 de março de 2025 - 00:01

Por Mário Sérgio de Melo
O tema da Campanha da Fraternidade de 2025, iniciada na quarta-feira de cinzas, é “Fraternidade e Ecologia Integral”. Este tema remete à “ecologia profunda”, conceituada pelo filósofo norueguês Arne Næs em 1972, e que se opõe à “ecologia rasa”. A ecologia profunda tem sido defendida por Fritjof Capra e, entre nós, Leonardo Boff; autores que têm estimulado a refletir sobre os rumos da civilização. Rumos que têm conduzido para a aguda crise não só ambiental, mas também socioeconômica, ética e religiosa que vivemos hoje.
A crise é profunda. Campanhas de plantio de árvores, redução de descartáveis, coleta seletiva ajudam, mas são rasas. É como o fumante que fuma dois maços de cigarro por dia, e depois toma uma colher de xarope para tentar limpar os pulmões. Colocar em prática a ecologia profunda implica questionar o antropocêntrico sistema de vida que tem sido imposto por um bombardeio de propaganda para consumir sempre mais. Para continuar a fazer crescer o lucro das grandes corporações e de seus donos e acionistas. Como diz Pepe Mujica, antes os trabalhadores lutavam para reduzir a carga de trabalho de 44 horas semanais; hoje eles têm dois ou três empregos precarizados diferentes, e vivem o afã de trocar de carro, de comprar o segundo carro, ter uma moto, trocar o celular, o computador, comprar o eletrodoméstico supérfluo, trocar a roupa e o calçado que saíram da moda...
Somos hoje a “civilização do consumo” e das desigualdades, do abandono da fraternidade. Há muitos empobrecidos, que mal conseguem consumir o suficiente para assegurar a alimentação. São os explorados que sustentam o desarrazoado nível de consumo – e desperdício – daqueles que estão no alto da pirâmide social.
O afã do consumismo fere mortalmente a Mãe Terra que nos supre. Ela já não dá conta de repor ou recuperar, com os processos naturais, aquilo que temos consumido e/ou degradado. Isso acontece até com o ar e a água, bens prioritários de que depende a vida. E vale também para o solo agricultável, o alimento saudável, o ambiente harmonioso e pacífico que nos inspira saúde emocional.
Pensar em ecologia profunda obriga repensar os princípios e valores que uma minoria de megaempresários, ensandecidos pelo lucro e poder, impõem a uma grande maioria atordoada pelo bombardeio de uma sofisticada tecnologia de propaganda e (des)informação. Ela incute desejos, convicções e atitudes antropocêntricas, ou, pior ainda, androcêntricas – aquelas fundadas no macho. Viver a ecologia profunda é voltar a comungar com a Mãe Terra, como fazem os povos originários, que compreendem que o bem-estar do ser humano depende de enxergar que ele faz parte da natureza, e não é seu dono, um perverso explorador.
A civilização atual tem se comportado como o irreverente adolescente que, deslumbrado com a autonomia e a liberdade, desafia e mesmo agride e mata a Mãe Terra, quando ela procura mostrar-lhe que sobrevivência e evolução impõem a compreensão de que existem limites a serem respeitados perante a natureza.
O autor é geólogo e professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG