Debates
Muito mais que um pastel
Da Redação | 31 de dezembro de 2024 - 01:07
Por Giovani Marino Favero
Nunca vi ninguém triste comendo pastel, mas talvez muitos ficarão reflexivos nos próximos dias. Depois de mais de trinta anos, a tia Tina e o tio Zé não estarão mais na feira da Benjamim ou do Jardim Carvalho. Para os mais antigos, é quase uma despedida de um hábito que remonta aos tempos em que tínhamos feiras livres nos bairros, como Uvaranas, São José e outros.
A banca, referência para minha família e tantas outras, iniciou sua jornada em 1990, em uma época de Brasil caótico economicamente, mas que redescobria a democracia. A tia veio para Ponta Grossa para estudar, formou-se na UEPG, e o tio veio logo atrás, sempre muito apaixonado. Nos anos 70, diz-se que ele era "fazendeiro" porque vendia "fazendas" — os tecidos das lojas Pernambucanas. O Sr. José trabalhou em empresas renomadas, como Purina e Guabi, além de ter contribuído para a gestão da prefeitura no período Wosgrau. Poucos sabem, mas ele também é economista formado pela UEPG.
Foi a tia Tina quem decidiu, na última década do século passado, montar a Kombi do pastel na feira livre. O tio Zé, que dividia seu tempo entre outros trabalhos, acabou abraçando de vez o negócio tempos depois.
Sempre me divirto ouvindo as histórias deles: "Lembro da filha de tal pessoa desde que era bebê; agora são os filhos dela que vêm comer pastel comigo." Gerações passaram pela banca.
Lembro de minha avó, preocupada nos dias de frio intenso, com o choque térmico entre o óleo fervente e o vento gelado que dominava certas épocas do ano. Ou das chuvas torrenciais, especialmente nas terças-feiras do Jardim Carvalho, onde a feira era a céu aberto, como ela gostava de lembrar.
Haverá, sim, uma lacuna. Não só do prazer de saborear uma comida tipicamente brasileira, mas de algo ainda mais valioso: o encontro. O pastel era o pretexto, mas a banca era o elo que unia o passado ao presente, os amigos às famílias, e fazia da feira um ponto de encontro pulsante em nossa cidade.
Agora, resta-nos a saudade e as histórias que se acumulam como recheios de um pastel que nunca acaba. Porque a feira sem a tia Tina e o tio Zé não será a mesma, mas eles deixaram marcas indeléveis — nas memórias, no paladar, e no coração de quem teve o privilégio de compartilhar esse capítulo da história de Ponta Grossa.
Que o próximo pastel, onde quer que seja saboreado, traga com ele o gosto de gratidão por tudo o que vivemos ao lado deles. E que essas lembranças nos lembrem que, às vezes, um simples pastel pode ser muito mais do que parece: pode ser o sabor de uma vida inteira.
Giovani Marino Favero é professor associado do Departamento de Biologia Geral da UEPG.