Debates
Alles blau, tudo azul?
Da Redação | 06 de junho de 2024 - 00:56
Por Giovani
Marino Favero
No ano de 1997 escutei pela primeira vez a expressão: "alles
blau". Era meu primeiro ano em Ponta Grossa e, em Maringá, de onde eu
vinha, nunca havia escutado. Essa expressão, que significa "tudo
azul" em alemão, é utilizada como uma forma de perguntar e responder se
está tudo bem. Curiosamente, muita gente acredita que "alles blau"
seja amplamente usada na Alemanha, mas na verdade essa saudação foi criada
pelos imigrantes alemães que se estabeleceram no Brasil.
Essa expressão ganhou popularidade entre os descendentes de
alemão no Brasil devido a uma adaptação cultural dos imigrantes, que mesclaram
sua língua materna com o novo contexto em que viviam. Assim, "alles
blau" acabou substituindo expressões como "guten Tag" (bom dia),
"alles klar" (tudo claro) e "wie geht’s" (como vai?). A
expressão se encaixa perfeitamente no cotidiano e reflete a mistura de culturas
que caracteriza a região sul do Brasil, funcionando tanto como uma pergunta
quanto uma resposta amigável e informal. No
Brasil, tudo azul é sinônimo de coisa boa de alegria.
Desde essa época (1997) eu me questionava sobre o azul ter
um significado diferente para os habitantes do hemisfério norte e para os do
sul. Nos EUA expressões como “I feel blue” está relacionada a um sentimento
negativo, de tristeza, para baixo. O próprio estilo musical “Blues” tem essa
conotação melancólica.
Pesquisando sobre o assunto me deparei com alguns trabalhos
científicos sobre a percepção da cor azul. Há uma relação enigmática com a
humanidade, marcada pela sua ausência em textos antigos e sua recente inclusão
na colorimetria moderna. Antigos registros de várias civilizações, como os
épicos gregos e escrituras hebraicas, não mencionam o azul. Até mesmo em obras
detalhadas, como a Odisseia de Homero, o mar e o céu são descritos com termos
como "semelhantes a vinho" e metáforas relacionadas a metais, sem referências
à cor azul. Essa ausência levou estudiosos, como William Gladstone, a
questionar se o azul existia na percepção das antigas culturas.
A investigação sobre a presença do azul revelou que em
diversas literaturas antigas, desde as histórias chinesas até as sagas
islandesas, a cor não era mencionada. Esta omissão estende-se às primeiras
versões hebraicas da Bíblia e aos hinos védicos hindu. Até hoje, certos grupos,
como os Himba da Namíbia, não têm uma palavra específica para o azul e não
distinguem esta cor do verde, demonstrando como a percepção das cores pode
variar culturalmente. Estudos modernos confirmam que os Himba conseguem distinguir
mais tons de verde do que outros povos ocidentais, mas falham ao tentar
diferenciar o azul do verde.
Curiosamente, muitos elementos que percebemos como azuis,
como o céu e o mar, não possuem pigmentos dessa cor. A cor azul que vemos é
resultado de fenômenos como a dispersão de Rayleigh, que também explica a
aparência azul do céu. Até mesmo mirtilos, que parecem azuis, atingem essa cor
devido à dispersão de luz na cera de sua superfície, e não por pigmentos. O
olhar científico continua a explorar e descobrir que o azul não está presente
da forma que imaginamos, mas é uma ilusão criada pela dispersão da luz.
Talvez o alles blau não exista na realidade. Talvez seja uma ilusão da dispersão de sentimentos criada pelo azul do céu quente dos trópicos ou pelo azul do gelo dos países do hemisfério norte.
Giovani Marino Favero é professor associado do Departamento
de Biologia Geral da UEPG.