Debates
Por que o crédito para a baixa renda transforma uma sociedade?
Da Redação | 17 de novembro de 2022 - 00:21
Por Denis Correia
O mercado de crédito se transformou nos últimos 20 anos. O
velho e famoso carnê e o cheque pré-datado deram espaço para o cartão de
crédito, que se tornou um dos meios de pagamento mais utilizados pelos
brasileiros após o fim da inflação, com o Plano Real, no final da década de
1990.
A chegada da tecnologia nas décadas seguintes trouxe grandes
avanços para o sistema financeiro, incluindo o acesso a esse tipo de ferramenta
pela população de baixa renda. Por outro lado, o contingente que se encaixa
nesse cenário não para de crescer. De acordo com a pesquisa A Nova Classe
Média, feita pelo Centro de Políticas Sociais da FGV, pela primeira vez, mais
da metade da população brasileira está na classe C (51,89%), o que corresponde
a cerca de 100,5 milhões de brasileiros.
Essa deficiência abriu espaço para outras empresas do
mercado financeiro olharem com atenção para essa demanda. Conhecendo bem o
público, é possível transformar os “piores clientes” para os bancos
tradicionais nos melhores clientes para outras instituições financeiras,
fazendo valer a premissa de que toda história merece crédito.
Há ainda alguns pontos que valem reflexão: nos meados dos
anos 2000, houve um boom das commodities e para alavancar o PIB, a estratégia
adotada na época foi incentivar a concessão de crédito, principalmente para a
baixa renda. Chegamos a ver concessionárias vendendo veículos sem entrada, com
prazo de até 72 meses para o pagamento. Os financiamentos imobiliários também
ganharam prazos maiores, assim como os parcelamentos nos cartões de crédito.
No entanto, a ressaca chegou e cobrou a conta. Hoje, o
cenário é assustador: das 110 milhões de pessoas economicamente ativas no
Brasil, cerca de 65 milhões estão com o nome restrito por conta de problemas
com inadimplência. Mas eu enxergo esse quadro de uma forma diversa: não
acredito que essas pessoas são más pagadoras. Em geral, durante esse percurso
houve uma grande perda de renda, o que dificulta a elas saldar esses
compromissos.
Nos últimos 20 anos, várias empresas passaram a lidar
diariamente com esse público, o que envolve uma análise de risco constante.
Para garantir a operação, é preciso sempre ter uma margem de segurança no que
diz respeito à inadimplência.
Para o sucesso de uma operação com este foco, uma das
estratégias mais eficientes é trabalhar fortemente o lado de cobrança, não com
o intuito de colocar o cliente em uma situação desconfortável, mas sim ajudá-lo
da melhor forma possível a resolver o seu problema.
Durante a cobrança, é possível encontrar pessoas contando
que tiveram que parar de pagar a fatura do cartão por conta das despesas como a
morte de um ente querido, a perda do emprego que garantia o sustento da casa,
entre tantas outras histórias. É preciso pensar em novas formas de auxiliá-los
a resolver o seu problema, seja por meio de acordos ou parcelamento de faturas.
São pessoas que usam o cartão de crédito não para adquirir
um bem mais caro, como uma tv ou geladeira, mas sim para colocar comida dentro
de casa. São sonhos básicos, que vão desde a possibilidade de compra de um bolo
de R$ 70 para cantar parabéns para o filho, como a compra de insumos para
produzir bolos caseiros para venda.
Acredito que ainda temos um longo caminho a percorrer. O
brasileiro precisa de crédito para impulsionar seus sonhos, seus negócios e sua
vida - e o parcelamento sem juros, por exemplo, é algo que só existe no Brasil.
Vamos assistir ainda um grande avanço do Pix, com o Pix parcelado chegando como
mais uma alternativa para ajudar essa camada da população. A tecnologia irá
trazer novas transformações para a forma de analisar o crédito e isso trará
ainda mais inclusão.
*Denis Correia é CEO da DM.