Debates
A Amazônia não precisa só de internet
Da Redação | 06 de agosto de 2022 - 01:47
Por Angela Biscouto
Do alto, tudo é uma imensidão verde, cortada por rios
poderosos repletos de vida. De perto, no entanto, a Amazônia é muito mais que
apenas floresta e água. Vive ali boa parte dos nossos povos originários,
constituintes de nossa cultura, protetores das matas e da biodiversidade local,
além de comunidades repletas de conhecimento e costumes próprios. Toda essa
riqueza material e imaterial não estão e nem devem estar, é claro, alheias ao
que acontece no restante do mundo. Dependemos da Amazônia em dimensões que vão
muito além da nossa compreensão consciente.
Por isso, chama a atenção de todos quando alguém promete
conectar 19 mil escolas da região à internet, como fez recentemente o
bilionário sul-africano Elon Musk, em visita ao Brasil no fim de maio. Embora a
iniciativa tenha sido muito comentada, não é novidade a tentativa de levar
internet aos recantos mais distantes da Amazônia. Existe, há muitos anos, um
programa destinado a levar internet via fluvial para escolas que têm a
impossibilidade de manter em sua equipe professores especializados,
principalmente para os Anos Finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio.
Estamos falando de professores de História, Química, Física e outros
componentes curriculares. A solução proposta é de que esses estudantes tenham
um tutor generalista em sala de aula e aulas on-line, ao vivo, ministradas por
esses especialistas. Essa experiência existente, traz possibilidades ricas de
acesso ao saber institucionalizado e carrega, também, as limitações de uma
aprendizagem sem a troca olho no olho e sem a presença deste educador no espaço
físico da escola.
Naturalmente, essa não é uma solução onipresente, no sentido
de que não é toda escola da região que conta com ela - e funciona em alguns
lugares melhor que em outros. Entretanto, precisamos nos lembrar que as
possibilidades de conexão não solucionam todas as questões envolvidas na
Educação de um território tão vasto e diverso. A internet apenas ameniza
algumas das lacunas existentes. Educação, afinal, se faz na troca, na partilha,
no estar junto. Só conectar essas escolas à internet, portanto, não é
suficiente.
São três os fatores que propiciam que a aprendizagem
junto da Tecnologia Educacional aconteça em plenitude. Tecnologia, Metodologia
e Mediação. Tecnologia e Metodologia são fundamentais, é claro. Quanto melhor
pudermos aplicar essas duas ferramentas às necessidades educacionais, melhor
será o processo de apropriação do conhecimento. Sem a Mediação, porém, que é o
trabalho realizado pelo professor, no corpo a corpo, nenhum dos dois primeiros
fatores é o bastante.
Fornecer internet não é, necessariamente, trazer para dentro
da escola saberes e conteúdos adequados. No dia a dia, é o professor que
precisa saber quais as implicações éticas, políticas e morais do uso da
internet. A cidadania digital também precisa ser construída por todos que
compõem a comunidade escolar. Estar conectado não é apenas entregar a
Tecnologia e virar as costas.
Além disso, há outro aspecto da promessa da Starlink a ser
observado: por quais meios esses estudantes terão acesso à internet oferecida
pela empresa? Qual é o custo para providenciar não apenas a conexão, mas os
equipamentos que a utilizam? Quanto esse projeto vai exigir em outros recursos
e de onde esses recursos sairão? A Tecnologia está posta e é bem-vinda, mas não
podemos nos esquecer de trazer, junto dela, a Metodologia e a Mediação.
Outro detalhe a ser observado é a viabilidade das promessas
feitas por Musk. Talvez seja o caso de olhar para experiências prévias da
Starlink nesse sentido. O programa de internet via satélite da empresa já
existe há algum tempo em lugares como a Europa e a América do Norte. São áreas
com desafios muito menos significativos, em termos de logística e área de
cobertura, quando comparadas à Amazônia. E, mesmo nessas áreas, alguns alarmes
já soaram. A União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês) divulgou
uma declaração que afirma que a constelação de satélites de Musk pode ter
consequências ainda não previstas sobre nossa compreensão do universo e a
proteção de animais selvagens com hábitos noturnos.
Outro detalhe a ser observado é a viabilidade das promessas
feitas por Musk. Talvez seja o caso de olhar para experiências prévias da
Starlink nesse sentido. O programa de internet via satélite da empresa já
existe há algum tempo em lugares como a Europa e a América do Norte. São áreas
com desafios muito menos significativos, em termos de logística e área de
cobertura, quando comparadas à Amazônia. E, mesmo nessas áreas, alguns alarmes
já soaram. A União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês) divulgou
uma declaração que afirma que a constelação de satélites de Musk pode ter
consequências ainda não previstas sobre nossa compreensão do universo e a
proteção de animais selvagens com hábitos noturnos.
À luz dos tristes acontecimentos recentes no Vale do Javari,
fica claro que os estudantes da Amazônia não precisam apenas de internet, mas
de uma atenção cuidadosa para seu cotidiano muitas vezes marcado pelo medo,
pela violência e pela precariedade. Urge a necessidade de entendermos e
respeitarmos os contextos e trazermos escuta e atenção para as necessidades
primordiais dessas comunidades, antes de impor ofertas pautadas em critérios
externos aos que vivem e constroem esses lugares físicos e simbólicos. Sejamos
escuta ativa, olhar atento e respeito a quem recebe, antes de querer se
constituir como o benfeitor que entrega.
*Angela Biscouto é coordenadora pedagógica do Sistema de
Ensino Aprende Brasil.