Debates
Maria vai com as outras
Da Redação | 16 de junho de 2022 - 01:20

Por Mário Sérgio de Melo
Maria vai com as outras é uma expressão de meu tempo de
criança, usada para as pessoas sem vontade própria, frouxas de caráter, que
sempre tinham que copiar ou o padrão pré-estabelecido pela maioria ou a marca imposta
por uma gangue. Há muito tempo não vejo essa expressão. Hoje ela certamente
seria reprovada pelo politicamente correto. Embora o mundo ainda seja machista
e misógino, já aprendemos a reconhecer que, mesmo amorosas e pacíficas, as
mulheres ─ as marias ─ têm muito mais firmeza de caráter que os homens. Não
consigo atinar com uma expressão atual que substitua a velha maria vai com as
outras. Talvez uma folha seca ao vento? Não uma rês tangida no meio de um
rebanho comportado. Esse é o gado! Palavra
que tem sido usada para uma turba de indivíduos massificados. Não serve para
aquele sujeito que chamava a atenção por ser a maria vai com as outras num
bando variegado.
Talvez a diferença seja justamente esta. Nos últimos 60 anos
aperfeiçoou-se muito a capacidade de sequestrar a vontade própria e a conduta
das pessoas. Se antes as maria vai com as outras eram aquelas esporádicas
pessoas que tinham por natureza baixa autoconfiança e a tendência de seguir
vontades alheias, hoje rebanhos imensos de pessoas são manipulados para seguir
vontades ditadas por sofisticadas tecnologias de propaganda, informação e
desinformação. Mesmo que nos consideremos sujeitos com vontade própria, não é
fácil resistir aos impulsos que nos igualam aos cães de Pavlov, que reagem com
reflexos condicionados a estímulos cientificamente planejados.
Para quantas finalidades temos sido manipulados! Exemplos: a
obediência à moda e ao status, que faz descartar vestuário, veículos,
eletrônicos, utilidades, etc. ainda em bom estado, para não sermos taxados de
antiquados e fracassados; a crença que a felicidade é comprar e possuir, que
nos faz escravos de um consumismo compulsivo e nos aliena de valores como autenticidade,
parcimônia e solidariedade; a submissão a tirânicos sistemas econômicos que
fazem com que acreditemos que a artimanha e o dinheiro dos patrões tenham mais
valor que o trabalho; a crença em mentirosas ideologias políticas que nos dizem
que o sonho de justiça social ou é uma utopia ou é a máscara que encobre
regimes totalitários e cruéis; a glorificação de nações guerreiras que almejam o
poder hegemônico mundial a qualquer custo, como se elas fossem os berços da
audácia, da liberdade, da oportunidade e dos direitos humanos; a fé em igrejas
que endeusam o dinheiro e a prosperidade, esquecendo valores sagrados.
Qual expressão deve substituir o antiquado maria vai com as
outras para designar a manipulação coletiva que tem transformado grande parte
da população num grande rebanho mundial? Sozinhas, as palavras alienação,
ilusão e logro parecem não dar conta da tarefa. Talvez robotização? Pois, tal
como os robôs, deixamos de ter vontade própria. Somos condicionados para reagir
conforme a programação a que fomos submetidos.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG