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Por que Jesus Cristo foi condenado?
Da Redação | 15 de abril de 2022 - 02:03
Por Marcelo Aith
Estamos próximos a iniciar o tríduo pascal, neste período
presenciamos, verdadeiramente, um dos primeiros julgamento da história pautado
no Direito Penal do autor. Jesus não é julgado por ser um criminoso ou por ser
um herege, mas sim por ser Jesus, uma pessoa humilde, do povo, que teria vindo
para libertar o mundo. Os judeus, por outro lado, tinham em mente um salvador
guerreiro. E Jesus representava o oposto, uma vez que veio pregar o amor e a
misericórdia entre as pessoas.
Direito Penal do autor, conforme o ensinamento do maior
criminalista da América Latina, Raul Eugenio Zaffaroni, é: “este direto penal
supõe que o delito seja sintoma de um estado do autor, sempre inferior ao das
demais pessoas consideradas normais”.
Conta a história que no domingo que antecedeu ao julgamento
de Jesus, os judeus o receberam com ramos e o aclamaram como Salvador. Todavia,
por influência dos sumos sacerdotes e dos fariseus foram convencidos que era um
herege, que desrespeitava a lei. Porém, só isso não bastava para a pena capital
(pena de morte na cruz).
Diante dessa comoção inflamada pelos sumos sacerdotes, que
temiam perder seus poderes diante da magnitude de Jesus, criam a tese de que
Ele teria cometido blasfêmia ao se declarar o messias e filho de Deus Pai.
Do lado político, atrelado aos Romanos, à acusação contra
Jesus era de rebelião. De insultar seus seguidores a enfrentar as normas do
Império Romano.
Todavia, Jesus em momento algum cometeu o crime que lhe
imputavam de blasfêmia presente no “Misnah 7.5”. Mesmo quando o Sacerdote que
dirigia o julgamento, Caifás, perguntou à Jesus se ele era filho de Deus, para
tentar caracterizar a blasfêmia, Jesus responde que quem estava dizendo isso
era o próprio Sacerdote.
Nesse momento, para o Sumo Sacerdote e os demais julgadores,
Jesus teria confessado o crime de blasfêmia. Ou seja, como sói acontecer nos
julgamentos pautados no Direito Penal de autor e não do fato, pouco importava a
tese de defesa de Jesus, ele já estava previamente condenado.
Ademais, não se pode olvidar, que segundo as leis da Torá e
do Império Romano ele poderia se recusar a responder sem que isso fosse
considerado contra ele. Isto está claramente expresso em Mateus 26, 62-64:
Disse-lhe Jesus: Tu o disseste; digo-vos, porém, que vereis em breve o Filho do
homem assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu"
Diante do silêncio, Caifás, em um ato de encenação e eloquência, asseverou (Mateus 26, 65-67): "Então o sumo sacerdote rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou; para que precisamos ainda de testemunhas? Eis que bem ouvistes agora a sua blasfêmia. Que vos parece? E eles, respondendo, disseram: É réu de morte. Então cuspiram-lhe no rosto e lhe davam punhadas, e outros o esbofeteavam"
No entanto, a acusação contra Jesus Cristo não foi apenas a
blasfêmia, mas também a acusação de profanar o sábado e ser um falso profeta.
Jesus, segundo relatam os evangelistas (Mateus, Marcus, Lucas e João), nos
sábados salvou vidas, trouxe a paz, o amor e a misericórdia, logo crime algum
cometeu, mesmo diante da lei da tora.
Todavia, para condenar à morte, além de passar por um
julgamento religioso, perante o Sinédrio, ele teria que passar por um
julgamento político perante o Governador Romano Pôncio Pilatos, visto que Roma
dominava a região de Jerusalém e impunha seu Direito.
Diversamente do que queriam os Sacerdotes e os fariseus, no
Direito Romano não havia essas acusações religiosas (blasfêmia e profanar o
sábado). Então criou-se um impasse: como fazer? Outra acusação deveria ser
feita e qual foi?
Diante da dificuldade em achar uma acusação pautada no
Direito Romano, após muita insistência dos Sacerdotes, foi imputada a acusação
de incitar o povo a não pagar Impostos a César, declarar-se Rei e Sedição
(provocar a desordem ou revolta).
Todavia, no dia do julgamento político, nem o próprio
Pilatos estava convencido da culpabilidade de Jesus Cristo. Para Pilatos não
houve crime algum e estar-se-ia a condenar injustamente um judeu.
Após imensa pressão, a audiência começou e o Governador
Romano indagou a Caifás: “Que acusação trazeis contra este homem?” João 18:29.
E sem nenhum fato concreto, Pilatos retrucou, conforme se extrai de João 18,
30: "Levai-o vós, e julgai-o segundo a vossa lei." (dos judeus e não
a romana).
No entanto, os judeus, a todo custo, queriam a morte de
Jesus e como pela Lei judaica isso não seria possível, eles necessitavam do
Direito Romano, conforme se extrai João 18:31: “A nós não nos é lícito matar
pessoa alguma.". Então Pilatos interpela Jesus questionando se era verdade
o que diziam sobre ele.
Reconhecendo que Jesus não tinha cometido crime algum,
Pilatos insiste com os jurados: “não acho nele crime algum”.
Porém, a massa de judeus influenciada pelos seus líderes e
sacerdotes queria a morte de Jesus e Pilatos tenta um último artifício para tentar
impedi-la: propõe à multidão o "privilegium paschale" (equivalente a
graça no direito penal brasileiro), que seria a anistia conferida pelo
Governador Romano por ocasião da grande festa.
Então Pilatos, mais uma vez, tenta soltar Jesus, na medida
em que não viu nenhum crime. Entretanto a pressão das pessoas o forçou a ter um
comportamento contrário (João 19, 4-12).
Exaurido de argumentos para soltar Jesus, que sabia ser
absolutamente inocente das acusações, Pilatos toma sua última atitude (Mateus
27, 24): “Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, ante ao tumulto que
crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou
inocente do sangue deste justo. Considerai isso. E, respondendo todo o povo,
disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”.
Pilatos lavou as mãos sobre a condenação de Jesus Cristo, e disse: “Ora, caros jurados, da análise do caso em foco percebem-se diversas ilegalidades”.
Todavia, há vícios insanáveis nas acusações. Para tanto,
basta uma mera leitura em Deuteronômio 19 e veremos que uma só testemunha
contra alguém não se levantará por qualquer iniquidade, ou por qualquer pecado,
seja qual for o pecado que cometeu; pela boca de duas testemunhas, ou pela boca
de três testemunhas, se estabelecerá o fato.
Com efeito, quais foram as duas testemunhas que confirmaram
o fato? Não teve. A única testemunha foi Judas Iscariotis, que foi corrompida
por conta de 30 moedas! 30 míseras moedas de prata! Valor que era pago por um
escravo. Mas percebam: ele não chegou sequer testemunhar fato algum, apenas
agiu para entregar seu, então, líder!
A verdade é que bem no período da Páscoa, os sacerdotes
e os escribas procuravam um meio de eliminar o “Rei dos Judeus” sem causar
alvoroço, visto que Jesus havia se tornado um inimigo “do Estado”.
Como manter um julgamento sem nenhuma prova de crime
cometido, agravado pelo fato que a única pessoa que testemunhou, confessou que
errou ao acusar um homem inocente?
Alguma semelhança com que acontece na Justiça Brasileira não
é mera coincidência.
Destaque-se, ademais, que para satisfazer os critérios da
lei, os próprios julgadores procuraram falsos testemunhos contra Jesus para
configurar o fato e para que a lei fosse supostamente respeitada: “Ora, os
príncipes dos sacerdotes, e os anciãos, e todo o conselho, buscavam falso
testemunho contra Jesus, para poderem dar-lhe a morte;” (Mateus 26:59). “E os
principais dos sacerdotes e todo o concílio buscavam algum testemunho contra
Jesus, para o matar, e não o achavam.” (Marcos 14:55).
No entanto, depois de não achar uma testemunha sequer,
infringindo diretamente a lei vigente, “o sumo sacerdote, rasgando as suas
vestes, disse: Para que necessitamos de mais testemunhas? Vós ouvistes a
blasfêmia; que vos parece? E todos o consideraram culpado de morte”. (Marcos
14:59-64).
Cabe aqui perguntar: Qual a prova de que algum crime
foi cometido? Em que momento Jesus pode se defender? Quem o defendeu? Onde
estavam as testemunhas de defesa? Onde estavam as testemunhas de acusação? A
lei foi jogada ao relento? Qual era a acusação que Jesus sofria? Blasfêmia? Mas
isso foi comprovado? Ou o julgamento foi armado? Ele foi indiciado? Teve
procedimento formal nos termos do direito romano? Jesus pôde apelar da Decisão?
Consoante, destaca o historiador Ribeiro: “Jesus Cristo foi
preso sem culpa, acusado sem indícios, julgado sem testemunhas legais, apenado
com um veredito errado, e, por fim, entregue à mercê da boa vontade de um Juiz,
no caso o governador Pilatos”.
Assim, a única conclusão que se pode chegar que Jesus Cristo
foi condenado sem ter cometido crime algum e sem que fosse respeitada a regra
procedimental para julgamento de um judeu. Ou melhor foi condenado por ser o
Messias, o Salvador. Ocorrendo assim uma condenação pautada do Direito Penal do
autor. Trazendo para a realidade de hoje: pobre, negros, pardos tem seus
direitos preservados quando acusados de algum crime ou são julgados a imagem e
semelhança de Cristo?
*Marcelo Aith é advogado, latin legum magister (LL.M) em
direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP,
especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca, professor
convidado da Escola Paulista de Direito, mestrando em Direito Penal pela PUC-SP
e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da ABRACRIM-SP