Debates
PEC dos Precatórios: Fim horroroso ou horror sem fim?
Da Redação | 25 de novembro de 2021 - 02:34
Por Luis Otavio Leal
Entre as idas e vindas da PEC dos Precatórios, devemos
perguntar: se ela é mesmo tão ruim, por que os ativos pioravam toda a vez que a
sua aprovação ficava ameaçada e melhoravam quando o inverso acontecia?
A PEC dos Precatórios é um “fim horroroso” para o problema
de arrumar espaço dentro do Teto dos Gastos para as demandas políticas, mas as
opções na mesa para substituí-la poderiam transformar essas discussões em um
“horror sem fim”. A ideia de se acionar novamente o estado de calamidade,
retirando as amarras fiscais em 2022, abriria uma caixa de pandora de gastos de
difícil mensuração. Portanto, partindo da ideia de que a “opção” é pior, vamos
aproveitar a aprovação da PEC dos Precatórios na Câmara dos Deputados para
mostrar a razão do mercado ter ficado tão ‘nervosinho’, em relação a sua
elaboração, e o motivo da comemoração, após ela ter passado pelo seu primeiro
teste no Congresso.
O título “fim horroroso”, refere-se à solução encontrada
pelo governo federal para encaixar o Auxílio Brasil dentro do Teto dos Gastos.
Isso nos parece bem adequado. Primeiro, porque adia o pagamento de parte dos
precatórios, que é uma dívida transitada e julgada pela justiça, de modo que a
diferença disso para calote é uma mera questão semântica. Segundo, porque esse
adiamento vai levar a um efeito cascata futuro, que terá efeitos nocivos sobre
as contas públicas muito além de 2022. Ou seja, para resolver um problema do
ano que vem, estamos arrumando um problema para 2023 em diante. Terceiro,
porque mexeu em uma das cláusulas pétreas do regime fiscal brasileiro: o Teto
dos Gastos Públicos.
Por tudo isso, não deve causar estranheza que o mercado
tenha reagido tão mal quando essa opção apareceu como sendo o ‘Plano A’ do
Governo para resolver o problema do espaço no Teto dos Gastos. Porém, como
temos que aceitar isso como fato consumado, vamos aos números. Após todas as
manobras, calculamos que foi aberto um espaço ao redor de R$ 106 bilhões na
restrição aos gastos para 2022, sendo R$ 40 bi vindos do adiamento do pagamento
dos precatórios e R$ 66 bi da mudança de indexador do Teto. Parece muito para
custear um programa que vai demandar R$ 47 bi a mais do que já estava previsto
no Orçamento para o Bolsa Família. Entretanto, temos que levar em conta outras
benesses que serão inevitáveis em ano eleitoral, como o “Bolsa Caminhoneiro”
(custo de R$ 4 bi), o Auxílio-Gás (custo de R$ 6 bi) e a renovação da
desoneração da folha de pagamento para 17 setores (custo de R$ 9 bi).
Além disso, temos ajustes contábeis, como as correções das
despesas dos demais Poderes (custo de R$ 2 bi) e das vinculadas à saúde (custo
de R$ 3,9 bi) e à educação (custo de R$ 1,8 bi).
Temos ainda o ajuste da inflação. No Orçamento de 2022,
enviado ao Congresso em agosto, o índice projetado para corrigir o salário-mínimo
era de 6,2%. Após o IPCA de outubro, divulgado no último dia 10, acreditamos
que esse número vai ficar mais próximo de 10%. Como o próprio governo estima
que, para cada 1 p.p. de inflação, temos um aumento dos gastos de R$ 8 bi, essa
diferença de projeção retira algo próximo de R$ 30 bi do espaço aberto no Teto.
Diante desse cenário, chegamos a um valor ao redor de R$ 104 bi. Muita demanda
para pouco dinheiro. Isso sem contar com o aumento do Fundo Partidário que,
certamente, vai entrar em discussão, as proibidas Emendas do Relator e o
aumento para o funcionalismo público anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro
do outro lado do mundo sem combinar com os “russos”.
Essa sensação de que o ‘pé não cabe no sapato’ apenas
reforça o mal-estar gerado pela mudança da regra do Teto dos Gastos. Se, no
primeiro ano em que essa regra fiscal foi efetivamente restritiva, foi alterada
para atender às demandas políticas, qual a credibilidade dela como restrição
aos aumentos dos gastos daqui para frente?
A mudança no Teto dos Gastos incluída na PEC dos Precatórios
não vem sem custos, e eles são facilmente mensuráveis, seja na piora da
trajetória da dívida ou na deterioração dos preços dos ativos brasileiros. No
fim, vamos ter um Real mais desvalorizado, uma inflação mais alta, requerendo
juros mais elevados. O que irá diminuir, consequentemente, as expectativas de
crescimento e tornando mais custoso o ajuste fiscal requerido para reequilibrar
a trajetória da dívida pública.
Como o próprio título sugere, a situação pode ficar pior.
Caso a PEC dos Precatórios não seja aprovada até o final do ano, a ala política
do governo federal já indicou que vai partir para o “Plano B”, que seria
decretar Calamidade. Nesse caso, todas as amarras fiscais seriam afrouxadas, de
modo que não se teria que respeitar nem o Teto dos Gastos nem a Lei de
Responsabilidade Fiscal. Os que defendem essa solução advogam que isso ficaria
restrito ao ano que vem. Entretanto, juntando isso ao fato de que, a partir de
2023, podemos ter um novo governo, temos a combinação perfeita para o mercado
extrapolar esse descontrole dos controles fiscais para além de 2022.
Obviamente que temos a opção de fazer os ajustes nas contas
públicas através do aumento nas receitas. Entretanto, aqui também a situação
complica, pois as Receitas Líquidas teriam que subir dos atuais 17,2% do PIB
para um patamar ao redor de 21%. Esse nível superaria em quase 1 p.p. o recorde
da série iniciada em 1998, alcançado em 2010 (20,2%) e só obtido por conta da
receita extra recebida pelo governo com a cessão onerosa do petróleo do Pré-Sal
à Petrobras. Ou seja, salvo por alguma privatização bilionária e/ou por alguma
solução ‘criativa’, como a venda de reservas cambiais, o ajuste não poderia ser
feito apenas pelo lado das receitas.
Mais uma vez, o Brasil escolheu o caminho mais fácil para
resolver um problema complexo. Os formuladores do Teto dos Gastos queriam que
este, além de ser um guia para a trajetória futura dos gastos do governo
federal, em algum momento fosse tão restritivo a ponto de tornar inevitável a
discussão a respeito das prioridades na alocação das despesas no Orçamento da
União. Porém, quando esse momento chegou, decidiu-se colocar ‘um zíper na
camisa de força’, tornando a regra pouco crível.
A recente melhora dos ativos com a aprovação da PEC dos
Precatórios não deve ser considerada uma prova da aprovação deste instrumento
pelos mercados, mas um alívio temporário após se vislumbrar um cenário ainda
pior. Como o “jogo só termina quando acaba”, ainda temos toda a tramitação no
Senado Federal, com ainda mais emoção nas próximas semanas.
*Luis Otavio Leal é economista-chefe do Banco Alfa