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Relatório da CPI: o destino do Presidente nas mãos de Augusto Aras
Da Redação | 23 de outubro de 2021 - 01:35
Por Marcelo Aith
O dia 20 de outubro de 2021 ficará marcado no cenário
jurídico-político brasileiro pela apresentação e leitura do relatório da “CPI
da Pandemia”. O senador Renan Calheiros apresentou um portentoso trabalho com
mais de 1,1 mil páginas, que imputam inúmeros crimes ao Presidente da República
e outros envolvidos e sugere o indiciamento de todos. Acompanha o relatório
final um robusto conjunto de elementos informativos que poderão ser utilizados
como prova pelo Procurador Geral da República, autoridade constitucionalmente
competente para manejar denúncia contra o Presidente, nos crimes comuns,
acobertados pela prerrogativa de foro (“foro privilegiado”).
O relatório propõe o indiciamento do Presidente da República
pela prática, em tese, dos seguintes crimes: a) epidemia com resultado morte;
b) infração de medida sanitária preventiva; c) charlatanismo; d) incitação ao
crime; e) falsificação de documento particular; f) emprego irregular de verbas
públicas; g) prevaricação; h) crimes contra a humanidade; e i) crimes de
responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade,
honra e decoro do cargo). Foram indiciadas dezenas de outras pessoas,
autoridades públicas, servidores públicos e empresários, dentre elas os filhos
do Presidente e alguns Ministros de Estado.
O relatório foi aprovado pelos demais integrantes da CPI e
será encaminhado para o Procurador Geral da República, que tem duas alterativas
constitucionalmente legítimas para seguir: denunciar o Presidente da República
pelos crimes que foi indiciado ou determinar o arquivamento pela ausência de
justa causa para a propositura da ação penal.
Alguns integrantes da “CPI da Pandemia”, bem como os
juristas que auxiliaram na elaboração do relatório, têm sinalizado que podem
manejar ação penal privada subsidiária da pública, na hipótese de o Procurador
Geral da República arquivar as informações trazidas no relatório final. Isso é
possível? O que vem a ser a tal “ação penal privada subsidiária da pública”?
Iniciando pela última pergunta: a ação penal privada
subsidiária da pública nada mais é do que uma legitimação extraordinária
conferida ao ofendido para que proponha ação penal em crime que é de iniciativa
pública. As ações penais públicas são de iniciativa exclusiva do ministério
público (princípio da oficialidade), nos termos do artigo 129, I, da
Constituição da República. Todavia, em situações de inércia do Ministério
Público em oferecer denúncia ou requerer o arquivamento do inquérito ou das
peças de informação, nasce para o ofendido a possibilidade de propor “queixa
substitutiva”.
Como regra, em relação aos réus soltos (como no caso dos
indiciados pela CPI), o Ministério Público teria que oferecer a denúncia ou
determinar o arquivamento em 15 dias. Passados esse prazo, sem qualquer
solicitação de diligência, determinação de arquivamento ou oferecimento de
denúncia, poderá o ofendido a apresentar “queixa substitutiva”. Portanto,
somente poderá propor na hipótese de inércia do MP. No caso da “CPI da
Pandemia”, somente poderá ser proposta a ação penal subsidiária da pública se o
Procurador Geral da República, Augusto Aras, ficar inerte, entretanto se
determinar, por exemplo, o arquivamento do relatório final nada poderá ser
feito. Absolutamente nada!
Qual será o comportamento de Augusto Aras? O Procurador
Geral da República, em regra, diante da robustez dos elementos de informação
produzidos pela “CPI da Pandemia”, deveria promover a denúncia contra o
Presidente da República, tendo em vista o princípio da obrigatoriedade (ou da
legalidade) que norteia o sistema penal brasileiro. AURY LOPES JÚNIOR, em sua
obra, Direito Processual Penal, destaca com precisão: “A ação penal de
iniciativa pública está regida pelo princípio da obrigatoriedade, no sentido de
que o Ministério Público tem o dever de oferecer a denúncia sempre que
presentes as condições da ação anteriormente apontadas (prática de fato
aparentemente criminoso – fumus commissi delicti; punibilidade concreta; justa
causa)”.
Entretanto, mesmo diante das provas que evidenciam a
presença dos elementos necessários para a propositura da ação penal contra o
Presidente da República, o PGR pode se posicionar pelo arquivamento – que
ninguém me ouça acredito que irá arquivar – e desse posicionamento não cabe o
ajuizamento da “queixa substitutiva” como vem alardeando alguns integrantes da
CPI e, também, os juristas que auxiliaram na elaboração do relatório final.
Assim, em que pese o brilhante trabalho do relator Renan Calheiros, a
sequência, ao menos no âmbito interno (justiça brasileira), está nas mãos de Augusto
Aras. Oxalá ele tenha a Constituição como seu guia e não se omita diante da
gravidade dos fatos apurados.
*Marcelo Aith é advogado, Latin Legum Magister (LL.M) em
Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP,
especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca e
professor convidado da Escola Paulista de Direito