Debates
Desapegue-se: Nascemos de mãos fechadas, mas morremos de mãos abertas
Da Redação | 19 de outubro de 2021 - 02:49
Em meus questionamentos, penso que ao nascermos contemos em
nossas mãos algumas sementinhas das potencialidades do que seremos, do que
precisamos desenvolver no decorrer de nossa vida para evoluirmos. Estamos ali
agarrados, apegados a estas potencialidades, a este vir a ser. Quase nada está
definido. Com o tempo, nossas mãos vão se abrindo para construir, ajudar, dar
as mãos ao outro, elaborar, orar, plantar e adubar a nossa existência para
depois nos desapegarmos e deixarmos aqui tudo o que foi construído e atribuído
pretensamente como nosso.
Isto porque sementes são do plano terra, daquilo que não
permanece conosco, visto que são apenas doações transitórias concedidas pela
vida como instrumental do nosso aprimoramento neste plano. Deste modo, todas as
ilusões sonhadas e porventura realizadas serão nossas somente por uma brisa de
tempo, um sopro de vida, numa sensação de eternidade impermanente, num mundo em
constante transformação. Quando a vida é percebida através desta perspectiva,
os valores se invertem, a vida se suaviza e ganha um novo sentido. Talvez a
partir deste ponto possamos nos perceber em contagem regressiva, já que tudo na
vida, inclusive nós retorna ao seu ponto de partida.
Na vida, temos muitas oportunidades para aprender a arte do
desapego. No entanto, pouco vivemos o agora. Normalmente existem duas
possibilidades: estamos enlaçados nos elos do passado ou seqüestrados pela dor
não superada. Por conseguinte, sempre esperamos um novo amanha, uma nova
oportunidade de ser feliz e que a vida nos sorria num “tempo ideal”. Estamos
nostálgicos ou expectantes, sendo o “agora”, o hiato das nossas inquietudes e
preocupações.
Viver na expectativa do futuro de maneira preocupada é a
força motriz geradora de desequilíbrios emocionais e existenciais. Precisamos
compreender que desapegar-se não significa necessariamente ser indiferente ou
irresponsável consigo, com os outros, com a vida. Estou a favor da
possibilidade de uma vida que valha a pena ser vivida todos os dias com suas
alegrias e mesmo com seus problemas e desafios, mas sempre com aquele desapego.
Precisamos nos lembrar que as verdadeiras conquistas são
aquelas que carregamos na alma, não aquelas que carregamos nas mãos ou na
bagagem. Na realidade, não existe absolutamente nada que nos pertença além de
nós mesmos. Em vista disto, o maior arrependimento que um ser humano pode ter é
aquele de não ter vivido plenamente, de não ter se pertencido. Todo o resto,
num sentido existencial não são tão importantes, são apenas ilusões deixadas na
poeira da estrada da vida onde nossos pés caminharam, onde nossas mãos
plantaram, onde talvez nossas marcas ficaram. E somente isto, pois daqui não
levaremos sequer o perfume das flores que adornaram os nossos jardins.
Portanto, desapegue-se. Lembre-se: nascemos de mãos fechadas,
mas morremos de mãos abertas.
Soraya Rodrigues de Aragão, Psicóloga, Psicotraumatologista,
Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Escritora e
palestrante. Autora de 4 livros publicados.
Site: www.sorayapsicologa.com Email: [email protected]