Debates
O Talibã do Brasil
Da Redação | 24 de agosto de 2021 - 02:05
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Nesta última semana, após a retirada das forças ocidentais
do Afeganistão e da retomada do país pelo Talibã, viralizaram na web charges
compelindo os antidemocratas do Brasil a se mudarem para o país asiático. Em
geral, as charges dizem assim: “Você não quer um país misógino, homofóbico, sem
urnas eletrônicas, sem direitos humanos, sem STF, sem congresso, armado até os
dentes e tudo em nome de Deus? Então vá para o Afeganistão do Talibã.”
As charges dizem com humor e picardia o que é do domínio
popular. O Afeganistão dominado pelo Talibã retrata bem o que seria o Brasil
dominado pelos apoiadores do desgoverno que atordoa o país com bravatas diárias:
impedimento de ministros do STF, calúnias sobre urnas e eleições, armamento dos
mais ensandecidos, desqualificação das mulheres, jornais, adversários
políticos, e democracia, apologia a torturadores e à chacina de opositores,
negação da gravidade da pandemia e dos protocolos de saúde... Tudo isso em nome
de Deus e da pátria.
Mas há uma despercebida diferença entre o Talibã e os radicais
brasileiros. Com toda sua injustificável barbárie, os extremistas afegãos são
patriotas; acreditam que lutam pela liberdade e emancipação de seu país. Nem
isso temos no Brasil. Aqui, nosso dirigente máximo bateu continência para a
listrada e estrelada Old Glory, lambeu as botas do ensandecido estadunidense
Trump, que incitou à invasão do Capitólio e quase iniciou uma guerra civil nos
EUA. E tudo que se faz hoje no Brasil de política econômica e social é voltado
para perpetuar nosso país como servil colônia, exportadora de matérias primas
baratas e importadora de produtos industrializados caros. E sempre mantendo um
vasto contingente de desempregados; para desencorajar as lutas, dos que ainda
têm emprego, por melhores salários e condições de trabalho.
Ou seja, nossos ultrarradicais de direita têm todos os
defeitos do Talibã, mas não têm o que talvez seja sua única virtude: o sonho de
liberdade, de autonomia, de pátria emancipada dos grilhões dos impérios que não
hesitam em fazer a guerra, corromper governos, eleger e armar tiranos, invadir,
destruir e desorganizar países e depois abandoná-los à sua própria sorte. Foi
assim na Líbia, no Iraque, no Afeganistão. Foi assim na Coréia, que acabou
dividida. Não foi assim no Vietnã, que escorraçou os invasores. Tem se tentado
assim contra o Irã, Cuba, Venezuela, que resistem, a duras penas. Com o Brasil
tem sido fácil, não foi necessário um contingente militar nem bloqueio
econômico. Bastou um juiz ímprobo e um governo marionete, eleito graças às fake
news e a uma duvidosa facada.
Que acerto das charges que convidam os ultrarradicais
brasileiros a se mudarem para o Afeganistão do Talibã! Lá encontrariam campo
fértil para extravasar seu insano fanatismo. Mas talvez tivessem que aprender
algo que lhes falta: o verdadeiro apreço pela pátria, soberana, livre das
garras dos impérios que nos exploram desde que viemos a ser denominados Brasil.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG