Debates
O gestor hospitalar do futuro nasceu na pandemia
Da Redação | 15 de julho de 2021 - 01:33
Por Hebert Moreschi
Talvez a história descreva esta pandemia como a maior
tragédia sanitária que a humanidade já viveu. Não por acaso, qualquer que seja
o ato de cotidiano — desde tomar um simples copo de água até decisões complexas
—, o impacto provocado pelo novo coronavírus está lá, tão presente quanto
avassalador. Imagine, então, o que aconteceu nos hospitais e nas unidades de
saúde país afora, ambientes cuja incidência da pandemia expôs a realidade mais
severa desse momento.
Hoje, felizmente, temos algumas respostas importantes que, se bem analisadas,
podem balizar os próximos passos. A principal delas está diretamente ligada à
gestão hospitalar. O atendimento de pacientes vítimas da Covid-19 exigiu dos
gestores um grau de resolutividade e aprimoramento pouco visto em nossa
profissão.
Em curto tempo, muitos colegas tiveram que conduzir, do dia para a noite,
mudanças dramáticas no perfil assistencial dos hospitais, transformando
unidades de baixa ou média complexidades para ambientes capazes de manter
pacientes sedados, intubados, em Unidades de Terapia Intensiva. Uma
transformação que envolveu desde infraestrutura a capacitação de equipe e
aquisição de suprimentos para o pleno funcionamento de um hospital.
Eu diria que, na pandemia, as unidades de saúde com processos de gestão mais
maduros tiveram desempenho melhor, conseguiram atender os pacientes com
Covid-19, mantendo a assistência dedicada aos doentes com outras
enfermidades.
Foi o que aconteceu no Hospital Regional do Baixo Amazonas, um verdadeiro oásis
da medicina pública de alta complexidade, incrustado na floresta amazônica, na
cidade de Santarém, pertencente pelo Governo do Pará e gerenciado pela
Pró-Saúde, entidade filantrópica de administração hospitalar da qual faço
parte.
Aqui, adotamos a estratégia de integrar os passos da gestão com a equipe
assistencial, provendo condições para que os profissionais pudessem acolher os
doentes adequadamente, mesmo diante das inúmeras dificuldades de percurso.
Nesse contexto, a expertise em atender pacientes críticos foi fundamental na
atualização dos profissionais aos procedimentos necessários para combater a
Covid-19. E diante desse desafio, outra prioridade adicional: tínhamos que
manter a assistência dedicada aos pacientes oncológicos, além dos serviços
prestados por meio das 40 especialidades oferecidas pelo hospital.
A integração entre as áreas foi, realmente, fundamental. Aconteceu por meio do
Comitê de Crise do Coronavírus, que criamos logo em abril do ano passado. Esse
ambiente integrado por profissionais de vários setores serviu de espaço para
que as decisões mais estratégicas fossem tomadas. Este contexto reforçou um
aprendizado: todas as áreas em um hospital são importantes. Todas. E elas podem
gerar impacto positivo ou negativo para o conjunto da obra.
O resumo mostra que o Hospital Regional do Baixa Amazonas conseguiu cumprir o
seu papel — deu condições para que os profissionais pudessem desempenhar suas
ações com segurança e qualidade, buscou conhecimento, preparou o ambiente
interno, acolheu os doentes, salvou muitas vidas. Está claro que a gestão teve
um papel fundamental em todo o conjunto de operação do hospital e a experiência
do Regional aqui em Santarém serve de exemplo para o restante do Brasil.
Não restam dúvidas de que a gestão hospitalar exitosa precisa focar no
desenvolvimento de pessoas. Dito desta forma, parece clichê. Mas não é. Esse é
o pensamento moderno, inovador. Entender as pessoas — e falo desde doentes,
familiares, profissionais e demais atores desse sistema que envolve o serviço de
saúde — é o caminho para alcançar qualquer objetivo.
São as pessoas que geram os dados. São elas que decidem se vão se entregar (ou
não) de corpo e alma ao propósito de um hospital. O capital humano é a única
fonte geradora de resultados. Todo o restante vem depois — métricas,
indicadores, sustentabilidade financeira, tecnologia, altas hospitalares.
Entender essa condição é essencial para o êxito do gestor hospitalar diante da
unidade que comanda. A otimização de custos, o bom aproveitamento do aparato
tecnológico, a coleta e análise de dados para a tomada de decisões, a
fidelização do paciente, a definição das diretrizes são caminhos por meio dos
quais estão pessoas.
E a pandemia mostrou o gap que ainda existe entre a realidade e a eficácia. Ou
seja: por mais avanço que tenhamos alcançado nas últimas décadas (e a medicina
foi uma das que mais evoluiu), evidentemente, ainda há um longo caminho a
trilhar, tanto nos hospitais de ponta — sejam públicos ou privados — quanto nas
unidades de infraestrutura mais limitada.
Qualquer caminho escolhido para o hospital que você gerencia deve considerar,
sempre, o que chamo de “cultura estática” — comportamento por meio do qual
prevalece a decisão de evitar mudança ou de entender, com amplitude, o papel de
cada profissional. Saiba identificar (e eliminar) os pontos de “cultura
estática” no hospital. Muitas vezes eles são o verdadeiro impedimento de
qualquer mudança. A pandemia mostrou que a necessidade de assumir novos papeis
é vital para conseguir cumprir (e evoluir) com o que seria sua atividade
primária.
O universo do hospital, tornou-se, enfim, um ambiente globalizado.
Hebert Moreschi é administrador hospitalar, com 25 anos de carreira na
gestão em saúde; atua como diretor hospitalar pela Pró-Saúde, no Hospital
Regional do Baixo Amazonas, há 11 anos