Debates
O voto de papel
Da Redação | 19 de junho de 2021 - 01:59
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Era o ano de 1985. Disputa acirrada para a prefeitura de São
Paulo. As pesquisas de boca de urna indicavam vitória apertada, por uns poucos
por cento, do candidato Fernando Henrique Cardoso, estrela da oposição à
ditadura recém finda. Em segundo lugar, o meteórico Jânio Quadros, o “varre
varre vassourinha” da década de 1960, cuja renúncia à presidência engendrou o
golpe de 1964. FHC, confiante nas pesquisas, jactancioso chegou a sentar-se na
cadeira de prefeito. No dia seguinte, Jânio, então surpreendentemente já
confirmado o vencedor, jocosamente borrifou inseticida antes sentar-se na mesma
cadeira em que FHC prematuramente sentara-se na véspera.
O resultado apurou que Jânio venceu por estreitíssima
margem, os mesmos poucos por cento que a boca de urna erroneamente havia
atribuído de vantagem a FHC. Os analistas se puseram a tentar entender o que
acontecera. Especialistas em eleições e seus resultados notaram que a histórica
cifra de cerca de dez por cento de votos brancos, naquela eleição tinha caído
para um por cento! Acharam então uma explicação para a inesperada vitória de
Jânio: os votos em branco tinham sido preenchidos durante a apuração, pelos
próprios apuradores, grande parte deles fanáticos seguidores do conservador
ex-presidente renunciado e ferrenhos opositores dos críticos da ditadura.
Nos rincões do interior do Brasil e das periferias das
grandes cidades, o voto de papel era prevaricado de outra engenhosa maneira.
Cédulas em branco compradas nas gráficas ou de funcionários do processo
eleitoral iam parar na mão de prepostos “cabos eleitorais”, cúmplices de
políticos criminosos. Nas filas nas portas das seções eleitorais, sob os olhos
compactuados de supostos fiscais, o “cabo eleitoral” entregava uma cédula já
preenchida ao eleitor, que era a cédula que ele deveria depositar na urna. A
cédula em branco que ele recebia dos mesários deveria ser entregue, à saída, ao
mesmo “cabo eleitoral”, em troca de uns níqueis para um lanche, ou a promessa
de um emprego ou algum privilégio para si ou para a família. O “cabo eleitoral”
preenchia então a cédula em branco e a passava para o próximo eleitor da fila. Os
políticos inescrupulosos eram eleitos por esse esquema, mas as promessas eram
esquecidas. As fraudes também eram esquecidas pelos eleitores, na eleição
seguinte continuavam a dar resultados.
Esses e outros trambiques que se podem fazer com o voto de
papel, num país tão complexo e sujeito à corrupção como é o Brasil, fizeram que
aqui, mais que em qualquer outro lugar do mundo, se buscasse um meio
considerado imune à fraude. Chegou-se então às urnas eletrônicas, testadas
incansavelmente, consideradas invioláveis. Uma façanha elogiada em todo o
mundo, inclusive Europa e EUA.
Retornar ao voto de papel seria retornar à fraude eleitoral.
Quem proclama que tal retorno seria o contrário é quem quer que o Brasil volte
ao tempo em que as eleições eram a época de arrebanhar os currais eleitorais
para eleger políticos ímprobos e corruptos.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG