Debates
Reabertura de escolas e equidade na educação
Da Redação | 01 de agosto de 2020 - 01:29
Por José Marcelo Freitas de Luna
Tenho defendido que o ano de 2020 seja utilizado para a
(re)visão de concepções, conteúdos, objetivos, estratégias, recursos,
avaliações e referências para o estabelecimento e a manutenção de um senso de
presença emocional, cognitiva e instrucional, para as nossas aulas híbridas, a
partir do ano de 2021.
Defendi também a distância física, de alunos e professores,
dos espaços comprovada e potencialmente inseguros. Tenho defendido, assim, o
cuidado com a nossa saúde em geral e com a vida escolar de cada um dos
estudantes particular e indistintamente. É o que continuo a fazer, mais responsável
e justificadamente ainda. Minha responsabilidade é com a equidade na educação.
A justificativa para tratar de reabertura da escola aqui é defender que ela não
é segura, tampouco justa.
“Escolas particulares defendem antecipar retomada de aulas
presenciais". Notícias como esta tornaram-se frequentes e crescentes no
Brasil, incluindo as que dão conta da reabertura já efetuada.
O tom dos entrevistados - os gestores das escolas privadas -
é de que os seus espaços estão devidamente delimitados, as suas superfícies
encontram-se permanentemente higienizadas, os seus recursos materiais e humanos
são à prova de contágios.
Trata-se de uma retórica de superioridade relativamente à
escola que nunca teve espaço, limpeza, equipamento, nem profissionais. Trata-se
de vender e comprar um produto, não importa o custo para o Outro, para os
outros estudantes, para os outros professores, para a nossa saúde.
Sabe-se, com base em resultados de pesquisas confiáveis,
que, mesmo que as crianças e os adolescentes conseguissem se manter distantes
uns dos outros na escola, as máscaras - mesmo as de grife - não impediriam a
infecção; o vírus ainda estará no ar.
Há outros achados científicos que precisam também ser
considerados, a saber, a tentativa de adestrar crianças, quando elas já há
meses, sabem que as consequências do seu
mau comportamento podem ser mortais para elas, seus amigos ou sua família
redunda na piora de transtornos de ansiedade.
Sabe-se, também, que limpar superfícies não é suficiente. A
Covid-19 é capaz de pairar no ar. Há pelos menos dois meses, aprendemos, com a
OMS, sobre os aerossóis: “pequenas gotículas são suficientemente pequenas para
permanecer no ar por horas e podem viajar no ar transportando seu conteúdo
viral até dezenas de metros de onde se originaram".
Esse achado pode ser traduzido pela afirmação de que a
limpeza de carteiras, do chão, das maçanetas e de outras superfícies da escola
não trará segurança absoluta como propagandeia o gestor afoito em reabrir.
Sabe-se que reabrir escolas é cavar, é aprofundar ainda mais
o fosso social. Isso porque não são todas a reabrir, tampouco abrirão para
todos. Quem nos dá, como professores e alunos de todo o país, a certeza de que
haverá equipamentos de proteção - mesmo que não total - para cada um de nós.
Não os temos para os profissionais da saúde, na chamada
linha de frente! Como não fazer, neste momento, uma relação com o fato de
milhões de brasileiros não terem, historicamente, recursos para o caderno e o
lápis?! Há que relacionar, necessariamente, a reabertura com a condição
financeira de cada aluno.
Caso as instituições mais frequentadas pela população
economicamente carente reabram, mesmo dando a opção para que os alunos estudem
remotamente, pais e mães poderão ter que deixá-los na escola.
Essas são tipicamente famílias que nunca puderam deixar de
tomar os transportes públicos superlotados, e que, como se já não fosse injusto
o suficiente, têm que se enfileirar acotoveladamente para receber o parco
recurso financeiro.
Da escola para casa ou vice-versa, os alunos poderão
transmitir o vírus. Sim, crianças e adolescentes infectam-se e transmitem a
COVID-19, podendo morrer em sua consequência também.
Sabe-se que todos os espaços que foram reabertos têm sido
ocupados por pessoas que se contaminam mutuamente; a disseminação do vírus está
acelerada por esse comportamento em todo o mundo.
A volta às aulas presenciais causará mais interação entre os
membros de toda a sociedade: as crianças agirão como crianças; os professores
terão que usar os tais transportes, por exemplo; e tudo isso se multiplicará
perigosamente, como nos mostram os estudos científicos.
É fato que o vírus pode espalhar-se escola adentro e afora,
provavelmente fazendo de vítimas primeiras seus alunos e professores. O que
dirão os gestores, os da escola que se diz melhor? Respondo modestamente, para
que me ouçam: não há, para a reabertura, segurança emocional, tão fundamental
que é para o aprendizado de conteúdos e para o desenvolvimento intelectual.
Acrescento: enquanto fechados, foquem na equidade na educação.
Por José Marcelo Freitas de Luna, doutor em Linguística e
professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do
Itajaí (Univali) - [email protected]