Debates
A matemática da democracia e a reconquista da política
Da Redação | 25 de julho de 2020 - 01:56
Por Fernando Mânica
Todos os dias imprensa e mídias sociais repercutem notícias
que desabonam membros do Poder Legislativo. Retrato da nossa realidade. E que
gera muitos cliques. Nesse cenário, ganham força propostas de mudança no
sistema representativo brasileiro. Algumas delas, como a restrição aos poderes
do Legislativo e, mesmo, do Judiciário, sequer merecem ser levadas a sério.
Outras merecem ser discutidas, como a que trata da diminuição do número dos
atuais 513 deputados e 81 senadores.
Um dos argumentos para a diminuição de congressistas é a
contenção de custos. Afinal, temos o segundo Congresso que mais consome
recursos no mundo. Entretanto, um olhar mais atento permite perceber que o
valor não é significativo quando analisado vis-à-vis o orçamento da União (R$
3,6 trilhões de reais). Considerando que cada centavo de recurso público deve
ser economizado, é possível diminuir os gastos dos atuais congressistas. Para
se ter uma ideia, em países europeus, o custo de um parlamentar varia entre 5 e
20 vezes menos que o custo de um congressista brasileiro.
Outro argumento costuma vir da comparação com outros países.
Entretanto, os números brasileiros encontram-se abaixo da média mundial. Afora
os Estados Unidos, onde a União possui competências restritas, o Brasil possui
proporcionalmente menos representantes que nações com democracia consolidada. A
Itália, por exemplo, que possui menos de 30% da população brasileira, fará
referendo popular para a diminuição de 968 para 617 congressistas.
O terceiro argumento a favor da diminuição de legisladores
consiste em facilitar o consenso entre eles. É bem verdade que tal meta tem
sido cada vez menos tangível, dada a multiplicidade de interesses sociais em
jogo. O problema pode ser enfrentado com a transferência de parcela das
decisões para órgãos técnicos especializados. Mas as questões estruturais da
nação devem ser discutidas com o máximo de representatividade do tecido social
brasileiro.
Nesse ponto, deve-se destacar que a Câmara dos Deputados
representa a população, enquanto o Senado representa os Estados e Distrito
Federal. Por isso, o número de deputados federais é proporcional ao número de
habitantes e o número de senadores é sempre três por Unidade Federativa.
Entretanto, a Constituição prevê que cada Estado deve ter o mínimo de oito e o
máximo de 70 deputados federais. Com isso, Estados pouco populosos possuem mais
representantes ‘per capita’ que Estados mais populosos. Essa é a conta a ser
recalculada, a fim de resguardar o equilíbrio na função representativa dos
deputados.
Além disso, a diminuição do número total de congressistas
pode facilitar a cooptação ou captura do Poder Legislativo pelo Executivo, com
prejuízo de sua função fiscalizadora. Isso seria ainda mais problemático na
hipótese de redução do número de deputados estaduais e de vereadores.
Precisamos de austeridade, boa política e bons políticos. Que a insatisfação geral com nossos parlamentares fortaleça nossa representação, racionalizando seu custo sem diminuir sua quantidade. A proposta de redução das casas legislativas empobrece e enfraquece a democracia. Ainda que gere manchetes e curtidas.
*Fernando Mânica é doutor pela USP e professor do Mestrado
em Direito da Universidade Positivo.