Debates
A praga e possíveis soluções – uma proposta de ação
Da Redação | 23 de junho de 2020 - 03:03
Por Marcos Müller Cwiertnia
Uma praga assola as ruas de nossas cidades. Não, não estou
falando da Covid-19 ou do coronavírus, mas sim dos barulhentos escapamentos de
alguns veículos automotores, a maioria deles motocicletas de baixa cilindrada,
utilizadas, também em sua maioria, por motociclistas que se dedicam à entrega
de produtos, os chamados motoboys.
Não, não sou contra os motoboys, profissionais a quem muito
respeito, cuja importância certamente é pouco reconhecida pela sociedade, que
sem eles não teria condições de funcionar, ainda que minimamente. Minha crítica
mira única e exclusivamente os escapamentos sem dispositivos silenciadores, que
geram excessivo barulho.
É que a poluição sonora produzida pela infração às normas
legais impõe aos cidadãos um ambiente nocivo à saúde e ao bem-estar. Não é à
toa que muitas cidades do mundo limitam o horário de funcionamento de seus
aeroportos e autódromos, como forma de respeitar os cidadãos e seu sagrado
horário de descanso. Em cidades como a nossa, quem mora próximo às principais
vias de ligação do centro com os bairros tem dificuldade para dormir, para
assistir TV e até mesmo para conversar, em razão do barulho de alguns veículos.
Assim, devemos encontrar uma solução para esse mal que a todos aflige.
Conheço os argumentos de quem faz uso do chamado “escape
aberto”, sendo o principal deles a pretensa segurança que a elevação do ruído
do motor traria aos motociclistas que adotam tal expediente, que só assim
seriam percebidos pelos demais atores do trânsito. Na realidade, a condução de
veículos nos termos da lei e a adoção dos preceitos da chamada “direção
defensiva” seriam suficientes para aumentar a segurança de todos que atuam no
trânsito de nossas cidades. Salutar, também, o abandono do “espírito de
emulação”, que é como a lei se refere ao sentimento que incita as pessoas a
igualar ou superar alguém e que move aqueles que agem no trânsito urbano como
se estivessem em uma competição automobilística. Logo, o argumento da “segurança”,
a justificar o barulhão, não resiste, devendo ser prontamente descartado.
Os demais argumentos a favor do “escape aberto” são ainda
mais frágeis – incremento da potência do motor, aumento da atratividade do
veículo, personalização etc. – e sequer merecem aprofundamento neste texto, que
não se pretende mais longo que o necessário.
As leis coíbem a falta de silenciadores dos escapamentos e
seus efeitos, como o aumento do ronco do motor e da quantidade de fumaça
liberada. A Constituição Federal afirma ser de competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a proteção do meio ambiente e o
combate à poluição em qualquer de suas formas (CF/23/VI), sendo inegável que a
poluição sonora é um dos mais nocivos meios de agressão ao ambiente e à saúde.
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) proíbe alterações nas características
originais dos veículos – o que inclui os dispositivos de escapamento
(CTB/230/VII), assim como proíbe o ato de conduzir veículo com descarga livre
ou com o silenciador do motor estragado ou inoperante (CTB/230/XI), prevendo que
tais atitudes constituem infrações graves, que sujeitam o infrator a multa,
cinco pontos na carteira e retenção do
veículo para regularização. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), por
meio da Resolução nº 252, prevê limites de ruídos nas proximidades do escapamento
para veículos automotores, sendo o nível máximo permitido de 99dB (dB =
decibéis), para modelos de motos fabricados até 1998, e de até 80dB, dependendo
da cilindrada, para modelos fabricados a partir de 1999. Para efeitos comparativos,
70dB é mais ou menos a intensidade do som produzido por um aspiradorde-pó
caseiro em funcionamento, verificado a poucos centímetros de seu motor, o que
denota que a legislação ambiental já é bastante complacente
com os escapamentos
barulhentos.
Como se vê, a fiscalização pode e deve ser conduzida por
agentes de todas as esferas administrativas do Estado – União, Estados e
Municípios, de modo que nenhum deles haveria de olvidar exercê-la. Outrossim, a
ausência de equipamentos – como decibelímetros – não constitui desculpa para a
falta de fiscalização ou mesmo de punição, já que apenas a infração ambiental é
que exige o aferimento do ruído excessivo por equipamento adequado. A
verificação e a punição das infrações às normas do CTB dependem apenas da boa
vontade dos agentes de trânsito, já que as alterações das características dos
veículos e os ruídos excessivos dos motores são facilmente verificáveis.
A punição que atingir o chamado “órgão mais sensível do
corpo humano”, seu bolso, será também a mais efetiva e a mais eficiente. Seja
pela imposição de penas pecuniárias, seja pelo recolhimento do veículo e pela
suspensão ou cassação do direito de dirigir – que impedem o sujeito de auferir
renda com a condução de veículos automotores –, fato é que o condutor ficará
obrigado a corrigir o problema, sob pena de novamente incorrer na infração e em
suas penalidades. Daí a importância da constante fiscalização: cuidar e vigiar.
Ainda que não se pretenda e nem se deva assumir a
responsabilidade que cabe aos agentes do Estado, a notória ausência ou
deficiência de fiscalização, seja pela falta de agentes e equipamentos, seja
pela simples falta de vontade, compele os cidadãos e buscar uma alternativa
capaz de produzir bons resultados.
Uma sugestão é que estabelecimentos comerciais que utilizem
serviços de entrega exijam dos entregadores a adequação de seus veículos às
normas legais, notadamente no que diz respeito ao ruído dos motores, podendo-se
enquadrar tal atitude como diferencial de atuação a ensejar reconhecimento,
como ocorre com as Normas ISO e, em Ponta Grossa, com o Selo Social.
De outro lado, que a mesma exigência seja feita pelos
consumidores ou destinatários de produtos encaminhados através de serviços de
entrega. Assim, quando pedir uma pizza, por exemplo, o cidadão exigiria da
pizzaria que a entrega fosse feita por veículo adequado, sob pena de não pagar
pela entrega ou simplesmente não a aceitar. Empresas e condomínios poderiam
adotar as mesmas medidas, de modo a compelir aqueles que estejam irregulares a
buscar a regularidade.
O mesmo raciocínio pode ser levado às entregas de produtos
contratados por meio de Apps, como iFood ou UberEats, com redução da pontuação
de classificação dos estabelecimentos que façam uso dos serviços de entregadores
barulhentos. E não se alegue que tais medidas prejudicariam os motoboys, já que
aqueles que respeitam a lei serão privilegiados pelo incremento de
oportunidades de serviço, enquanto aqueles que não a respeitam ficarão
obrigados a adequar-se a ela, como medida de sobrevivência, contribuindo para a
melhoria do ambiente urbano à medida que o fizerem.
A ideia está lançada.
Marcos Müller Cwiertnia é Advogado em Ponta Grossa