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Imagem ilustrativa da imagem Lições da crise

Por Luiz Alexandre Gonçalves Cunha

A apreensão tomou conta dos nossos cidadãos diante das ações governamentais necessárias para evitar um mal maior vinculado à ameaça do coronavírus. O exemplo do que está acontecendo em outros países torna imprescindível gerar o isolamento de milhões de pessoas no interior de seus domicílios, com consequências que podem ser catastróficas para a economia, dependendo do tempo necessário para diminuir drasticamente a livre circulação normal da população. Os acontecimentos ligados a essa situação são de conhecimento geral, tornando desnecessário revisá-los para chegarmos ao que interessa neste texto.

Os que apreenderam as lições de Ulrich Beck, e sua tese de que atingimos a era da “sociedade de risco”, não devem estar tão surpresos com a situação dramática gerada pela pandemia do coronavírus, porque Beck mostrou que desastres ambientais, nucleares, médico-sanitários, entre outros, tornaram-se, na sociedade de risco, elementos intrínsecos a sua dinâmica, porque, de uma forma paradoxal, o avanço tecnológico exponencial alcançado por parte da humanidade, adquirindo uma capacidade enorme de impor transformações na estrutura e dinâmica da natureza, gerou benefícios significativos à  população humana, mas também impôs a todos os seres vivos, inclusive os humanos, riscos crescentes de destruição numa escala não experimentada pela humanidade em nenhuma outra época. Os riscos em larga escala ganharam uma dimensão midiática global com o desastre industrial em Bhopal, na Índia, em dezembro de 1984 e com o acidente nuclear de Chernobil, em abril de 1986, na Ucrânia, ex-URSS. No Brasil, no século XXI, para ficarmos apenas em processos em escalas mais amplas e com potencial para atingir milhões de pessoas, citamos o apagão energético de 2001, a crise hídrica de 2014, os quais provaram que o Brasil havia se transformado também numa sociedade de risco, mas ambos parecem, neste momento, pouco importantes diante da crise médico-sanitária que começamos a viver nas últimas semanas.

Quais as lições que ficarão para o Brasil com o impacto provocado pela crise do coronavírus? Não são muito diferentes dos relacionados  às crises anteriores, que já deveriam ter sido consideradas de forma mais didática e consequente, como aquelas relativas às doenças provocadas por vírus que também tinham capacidade de contaminação global, mas que não foram tão marcantes, como parece que será a Covid-19.

A primeira lição é a necessidade de consolidar o nosso sistema público de saúde, o SUS, que tem se mostrado decisivo para o enfrentamento da doença. Parece-nos provado que numa hora de crise médico-sanitária, como a que estamos vivendo, torna-se decisiva a capacidade do setor público em responder as demandas que são geradas na área de saúde pública. Portanto, esqueçam as propostas de Estado mínimo nessa área.

A segunda lição é a necessidade de melhorar de forma revolucionária a qualidade da educação pública. Uma população com melhor formação básica tem uma capacidade maior de compreender a complexidade das situações de crise extrema, com cada cidadão tornando-se agente de multiplicação de boas práticas e de informações corretas e embasadas cientificamente, que são indispensáveis no enfretamento das situações críticas de todos os tipos.

A terceira lição refere-se às condições da estrutura urbana das nossas médias e grandes cidades, no que se referem, em especial, a moradia e a mobilidade.  As cenas que assistimos nas nossas cidades relacionadas à necessidade das pessoas de se locomoverem nas áreas urbanas indicam a desorganização de um serviço público que se torna ainda mais indispensável num momento de crise. Nessas mesmas cidades, as condições de moradia a que estão submetidas milhões de pessoas nos bairros populares e periféricos agravam as condições de prevenção e resolução de crises, como a atual de caráter médico-sanitário, mas também àquelas relacionadas a riscos ambientais vinculados as enchentes e deslizamentos de encostas, como ainda as situações de riscos vinculadas à concentração de conflitos armados relativas ao combate à criminalidade violenta que se concentra nestes assentamentos populacionais. Porquanto, esqueçam Estado mínimo em mais este segmento, porque se torna indispensável à atuação do Estado fundamentado na ciência do planejamento urbano, visando controlar a desorganização promovida  pelas forças do mercado capitalista, que se  sustentam na dinâmica gerada pela especulação imobiliária urbana, que, ao mesmo que cria os “jardins”, que abrigam as classes de maior poder aquisitivo,  provoca o amontoamento de milhões  de cidadãos em espaços que se apresentam vulneráveis a uma série de riscos.

Por último, mas não menos importante, temos a situação do não enfrentamento também revolucionário da concentração de renda e da desigualdade social que mantém uma parcela  muito grande da população brasileira, numa condição econômico-financeira extremamente vulnerável, formando um contingente desproporcional ao potencial econômico-produtivo do país. Não nos falta  nenhuma condição material e concreta decisiva para que nossa economia possa se tornar maior e mais produtiva, destarte, permitindo sustentar índices sociais muito melhores do que aqueles que o país apresenta. Então,  podemos concluir que se não temos condições materiais limitadoras, o que  faltam são ações que transformem os nossos padrões de regulação institucional, que afetam a distribuição da riqueza gerada pela nossa estrutura econômico-produtiva. A par disso, entendemos que o papel decisivo também é do Estado, com uma estrutura que conte com instituições fortes e que possuam pessoal qualificado, algo que não falta ao Estado brasileiro, com seus poderosos bancos públicos, agências fiscais e monetárias organizadas, universidades, institutos e empresas públicas de pesquisa que contam com pessoal qualificado.

Essas não são as únicas lições que ficam da crise, mas devem ser consideradas como muito importantes. Não desprezemos essas lições porque outras crises nos atingirão com força! Porquanto, até podemos arriscar alguns palpites, observando as notícias cotidianas dos nossos diversos meios de comunicação, de setores mais vulneráveis às crises. Vamos destacar apenas um segmento, que consideramos muito importante e se refere ao abastecimento de água das nossas cidades. Acreditamos que teremos grandes problemas neste segmento tão sensível em muitas cidades brasileiras, como demonstra de forma dramática  a crise de abastecimento de água que está atingindo o Rio de Janeiro e a falta de água sistemática que constatamos existir em várias outras cidades. Os nossos reservatórios de água para abastecimento parecem depender cada vez mais do regime de chuvas de curto prazo, porque de forma absolutamente imprudente, estamos cada vez mais prejudicando o ciclo hidrológico produtor de água. Tudo indica que estamos caminhando para uma situação na qual a água que precisaremos consumir amanhã, vai depender da chuva que caiu ou não hoje! Portanto, preparemo-nos com sabedoria porque mesmo que demos uma guinada revolucionária nos nossos padrões econômico-produtivos, assumindo atitudes bem de acordo com os princípios de sustentabilidade econômica e ambiental, não há mais tempo para evitarmos algumas das consequências do que já fizemos até hoje e que resultaram na era da sociedade de risco.

Prof. Luiz Alexandre Gonçalves Cunha. Geógrafo. Professor Associado da UEPG. 

E-mail: [email protected]

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