Debates
Consumo e felicidade: o que a filosofia tem a ver com isso?
Mario Martins | 13 de março de 2020 - 02:20
Por Antoine Abed
Compras física ou on-line. Eletrônicos, vestuários,
cosméticos, imóveis ou veículos. Qual sentimento surge quando somos
bombardeados por essa infinidade de produtos e opções? Acredito que a maioria,
em um primeiro impulso, pensaria: dá vontade de comprar tudo!
Essa vontade de adquirir produtos de forma aleatória não é por
acaso e muitos pensadores já estudaram esse tema um tanto complexo. É preciso
contextualizar a sociedade contemporânea para compreender como nos tornamos uma
sociedade baseada na “compra da felicidade’’.
Quando necessito fazer essa contextualização, sempre recorro
aos pensamentos do sociólogo Zygmunt Bauman. Ao analisar os cenários
contemporâneos, afirmou que estamos vivendo a passagem da modernidade sólida
para a modernidade líquida. Nesse primeiro contexto, as perspectivas duradouras
de identidades sociais, trabalho e entendimento do que é “família’’ traziam a
sensação de segurança, pois tais valores se transformavam em ritmo lento e
previsível.
Na passagem para a modernidade líquida, Bauman destacou que
ela é marcada por transformações amplas como a fragmentação do indivíduo, ou
seja, a sociedade atual não é fixa em um determinado espaço ou tempo. Estamos
sempre adotando maneiras de experimentar o novo e manter uma forma fixa.
A questão é que sem uma identidade definida, acabamos
perdidos nas milhares de possibilidades de “ser”, abrindo, assim, oportunidades
para aumentar a base de consumidores através de uma nova forma de comunicação.
Hoje, empresas especializadas em propaganda e marketing focam e exploram seu
produto, não por seus benefícios, mas por apelos que enaltecem e glamourizam um
estilo de vida “prometido” àqueles que fizerem seu consumo.
Podemos dizer, indiscutivelmente, que o homem contemporâneo
consome mais do que precisa para viver. Nesse sentido, houve uma grande mudança
desde o início do capitalismo industrial, quando o homem moderno só se
preocupava em produzir as mercadorias, enquanto o homem contemporâneo precisa
se tornar um consumidor para retroalimentar o sistema.
Exemplos são os mais variados: se o leitor estiver na faixa
dos 40+, vai se lembrar do “mundo de Marlboro”, em que um homem forte e viril
fazia um chamado para que o incauto freguês se tornasse um “Marlboro man” como
ele. Se o leitor for mais jovem, podemos lembrar das enormes filas que se
formam em frente às lojas da Apple à espera da sua abertura, a fim de adquirir
um novo gadget só pelo prazer de possuir o novo modelo e se sentir incluído
nesse grupo, apesar do antigo aparelho ainda funcionar perfeitamente.
Assim exposto, fica mais fácil entender que a sociedade
contemporânea sofre um descolamento entre sua identidade e culturas locais com
o que ela representava poucas décadas atrás. Com a perda da identidade, o
indivíduo cria uma cultura baseada no consumo de produtos aleatórios e na
ostentação de uma vida “bem-sucedida’’ relacionada com sua capacidade de
compra. A manipulação dos desejos que estamos sofrendo por meio das propagandas
atrapalha sobremaneira a construção da identidade de um indivíduo.
Logo, construir um estilo próprio em um mundo em que as
identidades estão escassas é algo muito difícil nos tempos atuais. A crise de
identidade e as barreiras de consumo estão interligadas no desenvolvimento de
um estilo de vida ilusório. Então, na próxima vez que receber propagandas pela
internet ou sair para um passeio nos shoppings, se pergunte: será que necessito
realmente disso, ou estou agindo por impulso? Tenha em mente que o consumismo
como forma de conforto para sua inquietação moral tem prazo curto de
satisfação. Lembre-se, felicidade não se compra em vitrines de shoppings!
Antoine Abed é presidente fundador do Instituto Dignidade, filantrópico, empreendedor, estudante de Filosofia e autor da obra “Ensaio Sobre a Crise da Felicidade”.