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Em defesa dos pequenos municípios

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Por Luiz Alexandre Gonçalves Cunha

O Governo Bolsonaro lançou uma proposta de extinção de pequenos municípios como uma das medidas do grande pacote de “transformação do Estado brasileiro”. A proposta de extinção pode ser considerada uma novidade porque o debate sobre o tema centrava-se numa forte oposição à criação de novos municípios, mas nunca foi lançada uma proposta de extinção de municípios. A probabilidade de a proposta ser aprovada é quase nula, mas serviu para que se abrisse um grande debate sobre o tema, que pode ter a função primeira, mas não única, de desviar as atenções de outros aspectos mais duros do pacote. De qualquer forma, a questão é muito importante para todos aqueles que se preocupam com o desenvolvimento municipal, questão que é fundamental para que o crescimento econômico do país possa se transformar em desenvolvimento social.

A discussão sobre o assunto na mídia é antiga. Por exemplo, a Folha de São Paulo, no dia 04/01/2006, tocou no assunto das crescentes despesas municipais no editorial “Desperdício Municipal”. Este mesmo jornal já havia publicado, nos dois anos anteriores ao ano de 2006, dois outros editoriais com o mesmo foco de crítica à possibilidade de criação de novos municípios no Brasil. A crítica da Folha centrava-se no crescimento exacerbado das despesas municipais, indicando a necessidade de se melhorar os controles sobre os orçamentos municipais. A despeito disso, questionamos a tentativa de explicar o aumento de despesas, relacionando-o, antes de tudo, a criação de municípios, sem estudos mais apurados que comprovem essa relação. Assim, destacamos neste artigo que a fragmentação municipal não pode ser vista como a principal causa do descontrole orçamentário. Defendemos, inclusive, que uma reorganização do território dos estados, com a criação de novos municípios, pode até ser um fator de desenvolvimento local e regional, se envolver municípios com grande extensão territorial, independente da sua capacidade financeira.

Os argumentos contra a fragmentação municipal são muitos, mas podemos destacar alguns mais recorrentes.  Um argumento muito utilizado é que grande parte dos municípios brasileiros apresenta indicadores econômicos que mostram certo descontrole administrativo, principalmente no que se refere aos gastos com pessoal. Assim, criar novos municípios seria alimentar essa máquina de produzir despesas. Ora, a má administração não ocorre exclusivamente nos novos municípios, como também não é observada apenas em pequenos municípios, nem muito menos está relacionada exclusivamente àqueles que dependem mais ou menos de recursos exógenos.

            No Brasil existem municípios com extensão territorial superior a muitos países do mundo, portanto há algumas questões que não devem ser esquecidas. Uma primeira questão a ser considerada é se os municípios com grande extensão territorial são mais fáceis de administrar do que os municípios menores?  Outra indagação: o tamanho do município pode influenciar, em parte, no desenvolvimento municipal? 

Os estudos que realizamos relacionados à trajetória de desenvolvimento regional observada no Paraná Tradicional (que é uma das grandes regiões do Paraná; as outras são o Norte e o Sudoeste), região correspondente ao centro-leste do Estado do Paraná, resultou em conclusões que indicam, pelo menos, a necessidade de estudar melhor as relações contidas nas questões citadas.

No Paraná, verificamos que o arco formado pelos maiores municípios é o mesmo que apresenta os piores Índices Municipais de Desenvolvimento Humano-IDHM. Esse arco está localizado quase que completamente no Paraná Tradicional, acompanhando os limites dessa região com as demais grandes regiões do estado. Os índices estão entre os piores da Região Sul do Brasil, o que têm sido motivo de preocupação dos governos paranaenses. Mas o mais interessante é que no Rio Grande do Sul acontece o mesmo fenômeno: os grandes municípios da região sul do estado apresentam os piores IDHM. Por outro lado, em ambos os estados, as regiões que têm os melhores índices apresentam alta fragmentação territorial com o predomínio de municípios relativamente pequenos. Considerando as três grandes regiões paranaenses, na maior delas, o Paraná Tradicional, os municípios tem tamanho médio de 874 quilômetros quadrados; no Norte, 364, e, no  Sudoeste, 396 quilômetros quadrados.

Para explicar o caso do Paraná, que se assemelha ao  do Rio Grande do Sul, que apresentam menor desenvolvimento social relacionado aos grandes municípios, podemos levantar várias hipóteses.  Uma bem importante é que municípios extensos, com cultura política tradicional e oligárquica, acabam aplicando os recursos disponíveis, de modo geral, nas sedes, que, normalmente, são os domicílios eleitorais das classes dirigentes locais. Mas isso não acontece apenas em virtude de interesses políticos imediatos, muito embora a pressão política na sede seja muito mais efetiva, mas também por razões operacionais, pois em grandes municípios a distância que os distritos ficam do aparato administrativo, localizado na sede, aumenta os custos de prestação dos serviços municipais. 

 Em nossas pesquisas, constatamos estudos que demonstram que em algumas regiões do Paraná e Rio Grande do Sul a fragmentação territorial melhorou a situação da infraestrutura econômica e social dos novos municípios. Acreditamos que essa melhora constatada foi possível por duas razões principais: o centro decisório municipal passou a ficar mais perto dos cidadãos que habitam os novos municípios, tornando a atuação dos políticos mais diretamente fiscalizada por esses cidadãos; e os recursos que antes não eram aplicados no antigo distrito, nem na proporção de pequenas populações que normalmente habitam a maioria dos distritos, porque nem lá chegavam, passaram a ser investidos no novo município.  

Não se pode esquecer que a criação de novos municípios não exige o aumento do total do Fundo de Participação dos Municípios-FPM por estado, mas apenas que os recursos já existentes sejam redirecionados das antigas unidades para as novas, de forma proporcional ao número de habitantes de cada uma das unidades federativas. Assim, trata-se de uma redivisão do “bolo”, diminuindo as fatias de alguns, enquanto permite que muitos que não recebiam nada, passem a receber sua pequena fatia diretamente. Dessa forma, o pouco de recursos que seriam tirados de um município maior e mais populoso não impactaria de forma negativa esse município, na mesma proporção que beneficiaria de forma positiva um pequeno conjunto de cidadãos de um novo município menor e muito menos populoso. Portanto, o pouco para alguns, pode ser o suficiente para outros. Nesses termos, além de defendermos como inócua a extinção de municípios, acreditamos, ao contrário, que, em determinadas situações, seria até importante para o desenvolvimento social de muitos distritos, a transformação destes distritos em municípios, os quais seriam criados de acordo com normas rígidas de controle orçamentário.

O que é necessário fazer em relação a todos os municípios, não importando a capacidade financeira, é definir normas mais rígidas de controle orçamentário. Não importando se os recursos são de fontes próprias ou não, até porque a origem primária da maior parte da arrecadação tributária do país vem do consumo e boa parte do processo de consumo, gerando impostos, acontece nos territórios municipais de origem do consumidor. As normas de controle podem prever limites para os níveis de salários de prefeitos, vereadores e funcionários públicos, números de secretarias municipais, números de funcionários públicos municipais, tudo isso em proporção à capacidade orçamentária dos municípios, definindo-se, inclusive, para os municípios de menor capacidade financeira, que prefeitos, secretários, vereadores não recebam salários, entre outras medidas mais rígidas.  Por outro lado, havendo controle efetivo sobre toda administração municipal, os estados e a União poderiam ajudar no financiamento dos salários de funcionários municipais das áreas da saúde e educação, porque são segmentos que devem ser priorizados de maneira absoluta, para que outras ações voltadas ao desenvolvimento social do país possam atingir seus objetivos transformadores. 

Luiz Alexandre Gonçalves Cunha é Diretor  do Setor de Ciências Exatas e Naturais-SEXATAS

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