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Coluna Fragmentos: O registro da morte nas páginas do JM

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Anúncios referentes ao falecimento e a realização de missa de 7º dia, publicados no JM em 19 de junho de 1957
Anúncios referentes ao falecimento e a realização de missa de 7º dia, publicados no JM em 19 de junho de 1957 -

João Gabriel Vieira

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Desde o início do século XX jornais norte-americanos e europeus publicam os obituários. Esses registros fúnebres que surgiram no início do século XX se tornaram uma tradição jornalística e até hoje ainda são avidamente procurados pelos leitores a tal ponto que o jornalista nova-iorquino A. M. Rosenthal certa vez “brincou” com a sua própria morte dizendo: “Se tiver de morrer, é melhor morrer no [New York] Times”.

Os obituários ocupam um lugar próprio nos jornais e, geralmente possuem um mesmo padrão: iniciam com a informação sobre a morte da pessoa (nome, fotografia, causa, data, horário, local) e, em seguida, trazem uma pequena biografia na qual consta a estrutura familiar, dados profissionais e o círculo social em que se inseria o morto.

Esse texto, muitas vezes, é escrito em vida pelo próprio falecido (ou seja, expressa como ele gostaria de ser visto pela posteridade), ou por um parente ou amigo próximo, tornando-se uma espécie de último tributo àquele que partiu.

De acordo com o jornalista Matinas Suzuki Jr., que publicou (em co-autoria com Denise Bottman) “O Livro das Vidas – Obituários do New York Times” (Cia. das Letras, 2008) é possível observar uma mudança nas sessões de obituários nas últimas décadas.Até alguns anos os obituários destacavam, na maioria das vezes, o falecimento de personalidades como artistas, políticos e profissionais bem sucedidos em suas áreas de atuação, tendo os textos que acompanhavam a notícia um caráter de tributo ao morto. Suzuki revela que nos últimos anos o registro da morte de “pessoas comuns” tem ganhado cada vez mais espaços. Da mesma forma, os textos sobre o morto têm se tornado menos laudatórios e mais jornalísticos.

No Brasil, os obituários não têm tradição, uma vez que o registro da morte das pessoas acaba se espalhando pelas diversas editorias (policial, social, cultural/política) que compõem os jornais, não se concentrando em uma página específica para esse fim. Recentemente, os obituários começaram a aparecer em algumas publicações nacionais como o jornal Folha de São Paulo e a revista Piauí.

O comum no jornalismo brasileiro não são propriamente os obituários, mas os pequenos registros sobre falecimentos, missas de 7º dia e agradecimentos familiares aos que acompanharam o morto durante sua agonia final, no velório ou sepultamento. Esses registros fazem parte da história do JM desde o nascimento do periódico e, de certa forma, também expressam a percepção dos brasileiros sobre um dos temas que até os dias atuais se constitui em um dos grandes tabus das sociedades contemporâneas: a morte!

De acordo com o historiador francês Philippe Ariès, que dedicou boa parte de sua vida acadêmica ao estudo do significado da morte para as diferentes sociedades históricas, a atitude do homem diante da morte mudou radicalmente ao longo dos tempos.

Segundo Ariès, é possível perceber uma grande mudança sobre o significado da morte no mundo medieval (no qual a média de vida das pessoas era de 35-40 anos e a morte um acontecimento comum e socialmente compartilhado) e na contemporaneidade (onde o moribundo geralmente é isolado em hospitais e a medicina consegue até mesmo prolongar sua existência mantendo pacientes por anos numa vida vegetativa amparada em princípios ético-religiosos).

No Brasil, até meados dos Novecentos o acontecimento da morte era tratado de forma diferente do que se verifica na atualidade. Sobretudo em cidades do interior, a morte de uma pessoa correspondia automaticamente a uma mudança de comportamento de todo um grupo social que voltava suas atenções para a agonia do morto. Morria-se em casa, cercado pelos familiares, amigos e vizinhos. Comumente era afixado um aviso de luto (faixa, crucifixo, flores) na frente da residência e apenas a porta frontal ficava aberta. Era por ela que as pessoas – por amizade ou convenção – entravam para homenagear o morto e desejar pêsames para os parentes que o velavam. Após o cortejo fúnebre, aos poucos a vida da coletividade retornava ao curso normal. Nos primeiros dias, na casa do falecido, não se assistia televisão, ria ou se atendia o telefone. Ao longo do ano que sucedia a morte, as roupas pretas (expressão visual de dor pela perda do ente) se tornavam vestimentas comuns.

Nas últimas décadas essas práticas foram sendo substituídas por outras que não deixam de manter um diálogo com os rituais e com a simbologia de outros tempos. Por exemplo, hoje não mais se colocam as velas de antigamente entre as mãos do falecido, mas são comuns lâmpadas elétricas permanecem acesas durante toda cerimônia do velório, cumprindo o papel de iluminar o caminho do falecido em direção à nova vida.

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 19 de abril de 2009.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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