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Coluna Fragmentos: A capital mundial da soja e sua Rainha!

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Matéria sobre a escolha da Rainha da Soja, publicada pelo JM em 03 de agosto de 1975
Matéria sobre a escolha da Rainha da Soja, publicada pelo JM em 03 de agosto de 1975 -

João Gabriel Vieira

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Ao longo de sua história, Ponta Grossa recebeu algumas denominações como, por exemplo, a de “cidade-encruzilhada” (pelo falecido escritor Eno Theodoro Wanke), a de “capital cívica do Paraná” (devido a presença de Getúlio Vargas na cidade no momento em que foi anunciada sua vitória na Revolução de 1930) e a de “capital mundial da soja” (no início da década de 1970).

Esta última denominação marcou, simbolicamente, o arranque experimentado por Ponta Grossa durante o “milagre econômico” do governo Médici e o Pladei (Plano de Desenvolvimento Industrial) concebido na gestão do prefeito Cyro Martins.

Gozando da condição de maior entroncamento rodo-ferroviário do sul brasileiro, Ponta Grossa ligava-se com grandes centros e com o porto de Paranaguá. Essa situação estratégica, aliada ao projeto de implantação da Cidade Industrial de Ponta Grossa, fez com que grandes empresas voltadas para o beneficiamento de grãos, notadamente da soja, se instalassem na cidade.

Entre essas empresas estava a Sociedade Algodoeira do Nordeste (SANBRA), uma multinacional ligada ao beneficiamento do algodão, fibras e sementes oleaginosas. A SANBRA iniciou suas atividades em Ponta Grossa no ano de 1970 e, sentindo a potencialidade dos Campos Gerais na produção de soja, logo tratou de estabelecer estratégias para se integrar ao cotidiano regional e, em especial, ao cotidiano ponta-grossense. A partir de 1971 a empresa passou a promover um evento técnico-educativo e cultural, denominado “Encontro com a soja”.

Realizados anualmente ao longo de toda a década de 1970, tais Encontros transcorriam durante uma semana e estruturavam-se a partir de cursos, palestras e exibição de documentários que tratavam da produção da leguminosa. Paralelamente (em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e Cultura) ocorriam apresentações artísticas e culturais, além de maratonas intelectuais que envolviam os alunos das escolas locais. No encerramento dos Encontros a SANBRA realizava um grande desfile pelas ruas centrais da cidade. Todas essas atividades fizeram com que se estabelecesse um vínculo identitário entre a comunidade princesina e os setores ligados a produção da soja. Foi nesse contexto que a cidade abraçou a denominação de “capital mundial da soja”.

Mas o auge das atividades realizadas no decorrer dos “Encontros com a soja” acontecia sempre nas noites de sábado, antecedendo ao encerramento dos eventos. Nos salões do Clube Pontagrossense, tradicional ponto de congraçamento da elite política, econômica e social da cidade, ocorria um baile de gala no qual era escolhida a Rainha da Soja do Brasil.

Entre 1971 e 1974, apenas representantes da sociedade local concorreram ao título de Rainha. No entanto, como o evento atingiu grande repercussão, a SANBRA decidiu ampliá-lo e, desta forma, a partir de 1975, candidatas vindas de outras cidades paranaenses entraram na disputa.

Por fim, em 1978, essa possibilidade foi estendida para candidatas de todo o país. Foi assim que esse evento ganhou prestígio e repercussão na mídia nacional. Para o azar de seus promotores, esse momento coincidiu com o início do declínio do modelo econômico implantado pelo regime militar no país. Em 1980 foi realizado o último concurso da Rainha da Soja do Brasil, sinalizando que aquele modelo chegara ao seu final.

Nos primeiros anos do século XXI, um grupo de empreendedores locais decidiu realizar (nos mesmos moldes) um novo concurso da Rainha da Soja. No entanto, o evento não passou de uma edição única. O motivo é compreensível. Muito mais do que uma disputa que mescla beleza, desenvoltura e conhecimento – fórmula presente em todos os concursos dessa natureza – as eleições das Rainhas da Soja nos anos 70 expressavam um momento histórico bastante específico. A conjugação entre o ufanismo desenvolvimentista do falso milagre brasileiro, o projeto de industrialização do Pladei e a chegada das grandes multinacionais em nossa cidade criaram uma realidade na qual, a escolha de uma Rainha sintetizava a identidade local em uma cidade que se auto-proclamava “capital mundial da soja”.

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 28 de dezembro de 2008.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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