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Crônicas: “Uma pequena Kiev em sublimação”

Texto de autoria de Eduardo Pauliki Solek Ferreira, acadêmico de Direito da UEPG

Uma célula engatinhando no mundo jurídico e às vezes taxado de “jovem
com espírito de velho”. Alguém que aspira sempre aprender mais um pouco.
Uma célula engatinhando no mundo jurídico e às vezes taxado de “jovem com espírito de velho”. Alguém que aspira sempre aprender mais um pouco. -

Texto de autoria de Eduardo Pauliki Solek Ferreira, acadêmico de Direito da UEPG

Carpinteiro, dona de casa, empresário, professoras, escriturário, vigilante, vendedor de assados e estudante de ciências jurídicas. Eis uma autêntica morada intergeracional. Orações, risadas, intrigas, lágrimas, novelas, pó e cupim. Subsistindo setenta e cinco anos, bastou pouco mais de uma semana para desmanchá-la. As telhas quando retiradas esfarelavam-se como paçoca nas mãos de uma criança agitada. As tábuas de madeira eram o esconderijo perfeito dos temidos aracnídeos. O que dizer dos pregos? A ferrugem já os infestava pela falta de proteção em seu romance incessante com a umidade dali.

Quando os três mosqueteiros (Altivir, Edson e João) empreenderam esforços para a remoção do teto, seu ajudante deparou-se com uma dicotomia poética: o que associar? “Era uma casa muito engraçada, não tinha teto não tinha nada” do poetinha, ou o desejo mágico de perseguir a noite para ser “capaz de ouvir e de entender estrelas” do príncipe? Quiçá sejam ambas as coisas. Durante movimentos precisos que cada obreiro fazia, as lembranças tornavam-se cada vez mais imateriais. Janelas haviam sido deslocadas, portas eram compelidas a beijar o chão, e um exército de variados insetos alvoroçava por toda parte do terreno. O refúgio do ucraniano que atravessou o Atlântico agora desaparecia sobre o solo da Vilela. Só que a autoria não vinha do impiedoso Kremlin. Aliás, agora era um bom propósito. O filho do imigrante novamente intervinha heroicamente em prol do bem-estar de seus consanguíneos.

Aos que ali na vez habitavam, mãos lhes foram estendidas antes da queda. Outra sucessora do DNA eslavo cedia o espaço de suas intimidades para que pudessem gozar de um alojamento seguro. Num mundo repleto de corações envenenados e portadores da síndrome de narciso, talvez não seja à toa que o documento mais importante do país afirma: “A família, base da sociedade...”. Ainda que gerações passem, lares sejam desmanchados, tecnologias venham, só a família permanece. Não só permanece como faz uma de muitas pequenas Kievs em sublimação nos Campos Gerais ganharem uma leitura solidária e abundante de esperança.

Aos irmãos Jeroslau e Maria Antônia, uma mensagem deste cronista: o vapor da antiga morada já foi recepcionado pela atmosfera. E sabe quem estava lá para guardá-la celestialmente? O imigrante de Kiev!

Texto produzido no âmbito do projeto Crônica dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais.

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