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Crônicas dos Campos Gerais: Juliano Lima Schualtz

O Paraná estava no meu quintal

Juliano é estudante de História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e militante do Coletivo Negro Ilê Aiyê, na mesma universidade.
Juliano é estudante de História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e militante do Coletivo Negro Ilê Aiyê, na mesma universidade. -

O Paraná estava no meu quintal

Nessas cidades interioranas com alamedas de chão batido ocorre-me uma lembrança gargalhando faceira pelos ervais. Um certo afago arqueológico assalta a maturidade e recompõe uma centelha pretérita. Lembro-me de que os pés desnudos exploravam avidamente os canteiros do velho sítio.

O aroma fresco do alecrim misturava-se ao cheiro de hortelã. A hortelã acariciava o caule da árvore de araçá. Iminente ao araçá — os galhos de arruda disputavam o perfume com o alecrim e hortelã. Camomilas serviam como berço para a cantoria desenfreada das cigarras. Besouros corajosos dormiam entre os tomilhos. Aranhas teciam seus precipícios no vácuo da corticeira. Taturanas festejavam no pessegueiro. Perambulando pelo caule frágil da pitangueira o bem-te-vi bicava as frutinhas adocicadas. Havia um pé de ingá ao fundo que partilhava o quintal com um pequeno pé de cedro. Logo de noitinha, os vaga-lumes pestanejam seus abajures após o crepúsculo. Recordar um aroma torna-se feitura emaranhada com o tempo.

O sol da infância era despontado pelo bico do galo. Pulava serelepe da cama, indo perto do fogão a lenha, em época de pinhão a chapa já estava toda chamuscada com aquelas sementes. E logo saía correndo para ver minha tia alimentando as galinhas, depois os porcos e ovelhas. Como eram bonitos os girassóis com suas hastes delicadas inclinando-se até beirar as capoeiras que cresciam no subúrbio do terreiro. Olhava para cima enquanto as nuvens aravam o céu para plantar alguns pés de chuva. O avô capinava o fundo do quintal para plantar mandioca. Aos oito anos de idade todos os mistérios do planeta estão em qualquer fundo de quintal.

Quando adoentado, a tia com maestria fazia um chá de louro com folhas diretas do quintal. Se o chá não resolvesse era momento de ir à benzedeira. A cabana amadeirada de dona Filumena permanecia toda decorada com santos e divindades. O copo d’água com um galhinho de arruda ficava defronte da estátua de Nossa Senhora de Fátima e outro santo mulato. Aquele rito tinha um tom onírico, um presságio de purificação, como se ao ouvir as orações, minha inocência palpitasse em toda sua nudez.

Voltando para casa, com o espírito benzido. Já estava pronto para aprontar naquele fundo de quintal, ou, na língua dos avós: fazer arte.

Texto produzido no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais.

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