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Além dos R$ 250 mil: o que os credores do Banco Master ainda podem fazer?
Da Redação | 20 de novembro de 2025 - 00:09
Por Jorge Calazans
A liquidação extrajudicial do Banco Master, decretada pelo
Banco Central, não é apenas mais um capítulo da crônica das crises financeiras
brasileiras. Ela expõe, de forma crua, a vulnerabilidade de milhares de
investidores e credores que acreditaram estar em terreno seguro, muitos deles
agora descobrindo, na prática, onde termina a proteção do sistema e começa o
risco assumido individualmente.
O ponto de partida é simples, embora pouco compreendido: o
Fundo Garantidor de Créditos (FGC) não é um cofre infinito, tampouco um seguro
geral para qualquer investimento. Ele protege depósitos e aplicações elegíveis
até o limite de R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, por instituição, respeitado um teto
global por período. Quem está dentro desse limite, em produtos cobertos, deve
ser ressarcido diretamente pelo FGC, em procedimento administrativo
relativamente padronizado. Para esse público, o drama é de ansiedade e espera,
mas a tendência continua sendo de recuperação integral.
O problema começa justamente onde o FGC termina. Grandes
aplicadores, empresas que concentraram caixa no Banco Master, investidores
profissionais e credores comerciais do grupo foram lançados em um cenário muito
mais incerto. A parcela que excede o limite do FGC, ou que nunca foi coberta
por ele, passa a depender da liquidação do banco: da qualidade dos ativos
remanescentes, da ordem legal de preferência e da capacidade do liquidante de
transformar patrimônio em recursos para pagar a fila de credores. Em um caso
marcado por suspeitas de fraudes bilionárias e títulos de crédito sem lastro
consistente, a perspectiva de recuperação integral é, comedidamente, remota.
Isso não significa, contudo, que esses credores estejam
condenados à passividade. Há um campo jurídico relevante, e urgente, a ser
explorado. O primeiro passo é técnico: habilitar corretamente o crédito na
liquidação extrajudicial, apresentando toda a documentação que comprove o valor
devido e buscando o enquadramento adequado na classificação de credores. Uma
habilitação mal instruída ou mal enquadrada pode significar menos dinheiro ao
fim do processo ou até mesmo a exclusão da fila. Em seguida, é crucial acompanhar
o quadro geral de credores, impugnando decisões que reduzam de forma
injustificada o crédito ou a prioridade de pagamento.
Paralelamente, o caso Master está longe de ser um episódio
de mera “gestão infeliz”. Ele veio acompanhado da deflagração de operação
policial, da prisão do controlador e do bloqueio de bens de administradores e
empresas ligadas ao grupo, sob suspeita de fraude e gestão temerária. Em
situações assim, a legislação permite ir além da massa liquidanda e mirar
diretamente o patrimônio pessoal de quem conduziu a instituição ao colapso.
Ações de responsabilidade civil contra controladores e administradores podem complementar,
ainda que parcialmente, o que a liquidação não conseguir pagar. Discute-se,
nelas, se houve violação de deveres fiduciários, manipulação de informações ou
estruturas deliberadamente construídas para ocultar o verdadeiro risco assumido
pelos investidores.
A esfera penal também deixa de ser cenário distante.
Processos criminais que apuram fraudes financeiras não servem apenas para punir
culpados; podem e devem ser usados para reforçar a posição das vítimas. A
habilitação de credores como assistentes de acusação permite participar do
processo, requerer produção de provas, influenciar acordos e pleitear que
valores bloqueados e bens apreendidos sejam destinados, ao final, à reparação
dos prejuízos, e não apenas ao caixa do Estado.
A crise do Banco Master deixa ao menos três lições
incômodas. A primeira é para o investidor: rentabilidade acima da média quase
sempre significa risco acima da média, ainda que isso não seja dito de forma
explícita no momento da oferta. A segunda é para o sistema: a atuação
coordenada de Banco Central, FGC, órgãos de controle e Justiça precisa ser
rápida e transparente para evitar que a perda de confiança em um caso
específico se transforme em medo generalizado. A terceira é para os próprios
credores de maior porte: em cenários como este, não há espaço para imobilismo.
Quem se organiza, habilita seu crédito com técnica, questiona decisões, busca
responsabilização dos verdadeiros responsáveis e acompanha de perto a evolução
da liquidação tende a sofrer menos do que quem espera, silenciosamente, que “o
sistema resolva”.
O episódio Master será lembrado como um teste extremo para o
FGC e como mais um capítulo da longa história de crises bancárias no país. Mas,
para milhares de credores que ficaram além da fronteira do Fundo Garantidor,
ele deve ser encarado como um chamado à ação: entender seus direitos, buscar
orientação qualificada e recusar o papel de vítima resignada em um roteiro que
ainda está em aberto.
*Jorge Calazans, advogado especializado na defesa de
investidores vítimas de fraudes, sócio do escritório Calazans e Vieira Dias
Advogados