Debates
Consciência Negra: o desafio da equidade começa na educação
Da Redação | 19 de novembro de 2025 - 02:07
Por Janguiê Diniz
O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é
um marco para refletirmos sobre as desigualdades estruturais que ainda
persistem no Brasil. Trata-se de uma data de memória e resistência, mas também
de reflexão e compromisso com dois princípios inegociáveis dos direitos
humanos: a justiça social e a equidade racial.
Embora nas últimas décadas o país tenha avançado em
políticas afirmativas, os dados mais recentes de órgãos como o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto Nacional de Estudo e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que a distância entre
brancos e negros permanece expressiva nas esferas econômica, social e
educacional.
De acordo com o Censo 2022, 55,7% dos brasileiros são negros
(pretos ou pardos), mas eles representam 66,3% das pessoas em situação de
pobreza. O analfabetismo atinge 6,9% da população negra, mais que o dobro da
taxa observada entre os brancos (3,1%). Esses números são uma pequena amostra
do quanto a herança escravocrata e o racismo estrutural continuam a limitar o
potencial de milhões de brasileiros.
A superação desse quadro passa, fundamentalmente, pela
educação. É preciso garantir igualdade de oportunidades para todo e qualquer
cidadão, independentemente de aspectos como etnia, raça e gênero. A cor da pele
não pode continuar sendo justificativa para que brasileiros brancos com idades
entre 18 e 29 anos estudem, em média, 12,5 anos, enquanto os negros frequentem
os bancos escolares por 11,5 anos.
Quando o recorte analisado é o da educação superior, apenas
20,6% dos jovens negros de 18 a 24 anos frequentam uma graduação. Entre os
brancos, o percentual sobe para 37,4%. Essa é uma realidade construída desde a
conclusão do ensino médio: segundo o Inep, em 2024, 43% dos concluintes brancos
ingressaram na educação superior, contra 24% dos pretos e 26% dos pardos.
Essas desigualdades revelam a persistência de uma sociedade
que ainda associa o lugar da população negra a posições subalternas e com menor
acesso a redes de apoio. A escola e a universidade são, portanto, espaços
estratégicos de reconstrução dessa narrativa. Mas, para que isso ocorra, é
preciso garantir que o direito à educação seja acompanhado de condições reais
de ingresso, permanência e sucesso acadêmico.
Nesse sentido, ganham destaque as duas principais políticas
públicas de acesso à educação superior do país: o Fies e o ProUni. No entanto,
os dados mostram que o acesso ainda é desigual entre cursos e áreas de maior
prestígio. Por exemplo, entre os beneficiários do Fies que cursam Medicina,
apenas 35% são pretos, pardos ou indígenas, enquanto em Enfermagem esse número
sobe para 58%. No ProUni, em Medicina Veterinária, 43% dos beneficiários
pertencem a esses grupos, mas em cursos como Gestão de Pessoas e Pedagogia o
índice chega a 60%.
Esse panorama revela que, embora os programas sejam
fundamentais para a democratização do acesso, ainda há uma segmentação do tipo
de curso a que a população negra consegue chegar, reflexo sobretudo das
desigualdades de renda, de base educacional e de heranças sociais acumuladas.
Nesse sentido, é importante destacar o papel das
instituições privadas de educação superior, que abrigam a maior parte dos
estudantes do país e têm ampliado iniciativas de inclusão e responsabilidade
social voltadas à diversidade. A permanência de estudantes negros na
universidade ainda depende, muitas vezes, de bolsas, auxílios e políticas
institucionais de acolhimento, como as que vêm sendo estimuladas por entidades
representativas do ensino superior. Um exemplo prático consiste na Campanha da
Responsabilidade Socioambiental do Ensino Superior Particular, promovida
anualmente pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior
(ABMES).
No campo acadêmico, a presença de mais estudantes negros
representa não apenas um avanço em termos de justiça social, mas também uma
ampliação epistemológica: novas perspectivas, saberes e vivências passam a
integrar o espaço universitário, tornando-o mais plural e representativo. A
universidade, quando acolhe e incentiva essa diversidade, cumpre sua função
social e rompe o ciclo de exclusão que por séculos manteve a população negra
distante do ensino superior.
Celebrar o Dia da Consciência Negra, portanto, é reafirmar a
urgência de um país mais justo, onde o talento, a inteligência e a criatividade
da população negra encontrem as mesmas oportunidades de florescer. É também
reconhecer que a educação é o instrumento mais poderoso para romper com o ciclo
histórico de desigualdade e racismo. A cada dado, a cada percentual, há uma
vida que pode ser transformada se tiver as mesmas condições de partida.
A Consciência Negra não é apenas um exercício de memória; é um projeto de futuro. É olhar para o que já foi conquistado e compreender que o desafio agora é consolidar essas políticas, ampliá-las e assegurar que ninguém fique para trás. Porque um país verdadeiramente desenvolvido é aquele em que todos os seus cidadãos, independentemente da cor da pele, têm acesso real à educação, à dignidade e às mesmas possibilidades de sonhar e de realizar.
Janguiê Diniz - Diretor-presidente da Associação Brasileira
de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), secretário-executivo do Brasil
Educação - Fórum Brasileiro da Educação Particular, fundador e controlador do
grupo Ser Educacional, e presidente do Instituto Êxito de Empreendedorismo.