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Navegando de Nice a Belém

Em Belém, o mar se mistura com as águas do Rio Amazonas, formando um imenso estuário castanho, rico em sedimentos. São cores diferentes, mas um mesmo oceano

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Por Malu Nunes

A COP da Floresta, como tem sido chamada a COP30, também pode ser histórica pela conexão entre o clima e o oceano

De Nice, na Côte d’Azur francesa, a Belém amazônica, paisagens e realidades distintas se conectam. Em Nice, o azul profundo do Mediterrâneo banha as praias da Riviera. Em Belém, o mar se mistura com as águas do Rio Amazonas, formando um imenso estuário castanho, rico em sedimentos. São cores diferentes, mas um mesmo oceano.

É essa conexão, estabelecida pelas águas do mar, que torna indispensável integrar o oceano às discussões climáticas globais. As decisões tomadas na Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3), realizada no litoral francês em junho deste ano, precisam reverberar na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que acontecerá em Belém, em novembro.

Embora seja o principal regulador do clima e o maior reservatório de carbono do planeta, o oceano ainda ocupa espaço secundário nas negociações internacionais. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14, dedicado à vida marinha, é o que menos recebe financiamento: estima-se que seriam necessários US$ 174,5 bilhões por ano para atingir suas metas, mas os investimentos atuais não passam de US$ 10 bilhões. Os dados fazem parte do relatório “Análise do cenário de financiamento do ODS14: Monitorando fundos para alcançar resultados sustentáveis para o oceano”, do World Economic Forum, de 2022.

O Brasil teve papel de destaque em Nice, impulsionado pela força da sociedade civil, pelos programas de educação voltados para o oceano e pelos compromissos internacionais que o posicionam como referência em cultura oceânica. Somos o país com o maior número de escolas azuis do mundo, que integram os temas oceânicos ao currículo de forma transversal e interdisciplinar, e o primeiro a propor formalmente a inclusão do tema no currículo nacional, um Currículo Azul. Inclusive, esta já é uma resposta aos anseios da sociedade: 89% dos brasileiros concordam que a educação sobre o oceano seja parte do currículo escolar, de acordo com o estudo Oceano sem Mistérios: A Relação dos Brasileiros com o Mar - Evolução de Cenários (2022-2025), lançado em Nice pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, UNESCO, Unifesp e programa Maré de Ciência.

Com a participação de mais de 15 mil pessoas e 60 chefes de Estado, a UNOC3 foi, sem dúvida, histórica em diversos aspectos. Entre os avanços brasileiros, destaca-se a adesão à NDC Azul, uma coalizão internacional que busca integrar o oceano às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) — metas que os países estabelecem para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e enfrentar as mudanças climáticas. Esse compromisso reforça a importância de Soluções Baseadas no Oceano, como o uso sustentável dos ecossistemas marinhos para adaptação e mitigação climática.

Além disso, na França, foram anunciados avanços globais significativos, como o Tratado de Alto Mar, um acordo internacional sobre a conservação da biodiversidade em águas internacionais que deve entrar em vigor a partir de janeiro de 2026. Outro destaque foi o forte apelo à proibição da mineração em alto mar, com 37 ações já apoiando uma moratória preventiva. O Brasil também reafirmou compromissos importantes, incluindo a meta global de proteger 30% dos ambientes marinhos até 2030, conhecida como a meta 30x30.

Entretanto, seguimos com desafios a serem superados. Um deles é ampliar o financiamento para pesquisa e conservação dos ambientes marinhos. Outro é que as decisões locais e globais também contemplem anseios das populações tradicionais. Pescadores, marisqueiras e comunidades costeiras são os primeiros a sentir os impactos das mudanças climáticas e precisam ser mais ouvidos por seus países e ter mais espaços de fala. Precisamos trazê-los para o centro do debate, valorizando seus conhecimentos e modos de vida.

A expectativa agora se volta para a “COP da Floresta”, como tem sido chamada a COP30. Contudo, é fundamental lembrar que Belém também é uma cidade costeira, é onde a mata encontra as águas salgadas. Essa junção simbólica precisa orientar as ações climáticas daqui para frente. O oceano não pode mais ser apenas um tema transversal e essa é a oportunidade de colocá-lo no protagonismo que merece. Diplomatas, técnicos e negociadores das COPs também precisam de letramento sobre o Oceano sob perspectivas de diferentes setores da sociedade. Que esta conferência seja não apenas da floresta, mas também do mar.

*Malu Nunes é diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN)

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