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Meu porto seguro faz 75 anos

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Por Giovani Marino Favero 

Minha mãe nasceu em 30 de outubro de 1950. Talvez por conviver com ela todos os dias, eu raramente paro para pensar nela como pessoa — para além do papel que ocupa em minha vida.

Na infância, era a Nelminha, a filha mais velha do seu Ariosto. A relação entre pai e filha era profunda, dessas que deixam marcas para sempre. Os relatos da família falam de um amor enorme, de um vínculo quase visceral. Quando o pai partiu cedo demais, aos 56 anos, ficou uma ausência que nunca se preencheu — uma saudade que ainda hoje faz a, agora senhora Nelma, mergulhar em silêncio e lembranças.

De “filhinha do papai” a irmã mais velha: há um peso invisível nessa transição. Os primogênitos carregam um tipo de responsabilidade que só eles compreendem — meio irmãos, meio mães. No caso da Nelma, essa função veio acompanhada de uma sinceridade desarmante. Ela fala o que pensa, sem rodeios. Quem a conhece bem entende que é pureza e verdade; quem não a conhece, às vezes, pode achar que é “verdade demais”.

Vovó Nelma — aqui, sim, o nome vem com afeto. Os netos têm o privilégio de conviver diariamente com essa matriarca. Uma vez ouvi, numa discussão na televisão, alguém dizer que “netos que convivem com os avós nunca perdem o senso de família”. A frase me marcou, e percebo que é exatamente isso que a vó Nelma faz: mantém viva a noção de pertencimento, de laço, de raiz.

Já “Dona Nelma” é um título que não cabe nela. A própria antropóloga Ruth Cardoso, durante o governo FHC, costumava explicar que o uso de “Dona”, no Brasil, vem de uma herança colonial e excludente — uma marca dos tempos da escravidão. No caso de minha mãe, o que combinaria seria “Doadora Nelma”, porque sua vida é um exercício constante de entrega.

É a filha-irmã sempre presente; a mãe que se doa sem medidas; a mulher que, por anos, dedicou seu tempo ao auxílio de comunidades carentes — especialmente no Conjunto Santa Felicidade, em Maringá, junto aos grupos da irmã Cenita. E, como se o dia tivesse mais horas para ela, ainda encontrou tempo para se formar em Teologia.

Deixei a parte materna para o fim, porque sei que um dia, inevitavelmente, escreverei sobre a bisa. A maternidade tem algo de instintivo e adaptativo: a mãe sente, decifra, aprende o idioma emocional de cada filho.

O meu irmão mais velho é reservado — ninguém sabe ao certo o que se passa dentro dele. A minha irmã mais nova vive como se precisasse provar algo ao mundo o tempo todo. E eu… bem, eu sou o mais carente. Talvez por isso, sou também quem mais busca a presença da mãe por perto.

Os portugueses, ao navegarem pela costa brasileira, descobriram um porto natural protegido por recifes — um abrigo seguro para as embarcações em meio às tempestades. É assim que vejo a minha mãe.

Um porto seguro.

E hoje, ela faz 75 anos.

Giovani Marino Favero é professor associado do Departamento de Biologia Geral da UEPG.

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