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Acir está certo: Leia Nelson Werneck Sodré
Da Redação | 10 de outubro de 2025 - 01:54

Por Giovani Marino Favero
Conheço
o historiador e agente universitário Acir há mais de vinte e cinco anos. Desde
os tempos que eu era um estudante empolgado, ele sempre usava como referência:
Nelson Werneck Sodré. Confesso, sem orgulho algum, que por duas décadas deixei
essa indicação guardada na gaveta do esquecimento. Até que esse ano, sem motivo
aparente, topei com alguns de seus livros em PDF. Cliquei, baixei e mergulhei.
Que
pancada! O primeiro foi História da Imprensa no Brasil (1966). Li de um fôlego
só, entre indignado e fascinado. Indignado por não ter lido antes, por ter
negligenciado o conselho de Acir. Fascinado pela clareza de uma obra que parece
escrita ontem, não há quase sessenta anos. Uma pergunta emergiu imediatamente:
Por quê não estudamos Nelson Weneck Sodré nas escolas?
Nesse livro, Sodré mostra que os jornais nunca foram
neutros, nunca foram apenas transmissores de informação. Desde o século XIX,
ele revela, a imprensa é um campo de poder, instrumento de disputa política,
expressão de interesses de classe. Quem paga, quem controla, quem se beneficia:
aí está a chave da narrativa. O espelho que ele nos oferece é desconfortável,
porque, ao olhar para hoje, a semelhança é inevitável. Mudaram as tecnologias,
mas não a lógica. Se antes uma manchete podia influenciar uma revolta ou
derrubar um governo, agora basta um algoritmo malicioso ou uma enxurrada de
fake news para moldar consensos, direcionar votos, incendiar ânimos.
A leitura de Sodré escancara que, no fundo, o jogo continua
o mesmo. Ontem, era uma tipografia no centro do Rio de Janeiro imprimindo a
opinião de poucos para o consumo de muitos. Hoje, é um trending topic no X
(antigo Twitter) reverberando a voz de alguns milhões — mas ainda sob as rédeas
invisíveis de interesses econômicos e políticos. A forma mudou, mas a essência
permanece: a imprensa, seja de papel, seja digital, nunca é inocente.
Acir está certo. Ler Sodré não é apenas reencontrar um
clássico: é adquirir lentes para enxergar com mais nitidez a névoa informativa
em que vivemos. É perceber que a disputa pela narrativa não começou com os
influenciadores digitais, mas que eles são herdeiros diretos de uma longa
tradição de manipulação e poder. É, sobretudo, um convite para não sermos
leitores ingênuos. Afinal, como Sodré nos ensinou: acreditar na neutralidade da
imprensa é como acreditar que o espelho reflete sem distorcer.
Giovani Marino Favero é professor associado do Departamento
de Biologia Geral da UEPG.