Debates
Educação superior e as prioridades para a próxima década
Da Redação | 23 de setembro de 2025 - 03:49

Por Janguiê Diniz
O Congresso Nacional está diante de uma tarefa fundamental
para o futuro do país: definir o novo Plano Nacional de Educação (PNE). Mais do
que um documento normativo, ele consiste em um instrumento estratégico que vai
orientar os rumos da educação brasileira na próxima década. Contudo, tanto a
proposta encaminhada pelo Ministério da Educação (MEC) quanto os debates e
construções sinalizadas no âmbito do parlamento apontam para um problema
significativo: a pouca atenção conferida à educação superior.
Nas últimas décadas, a educação básica atingiu a
universalização e tem seu debate concentrado na melhoria da qualidade, aspecto
que guarda relação estreita com o ensino superior (responsável pela formação
dos docentes). Na outra ponta, a graduação ainda é um sonho distante para a
maior parte da população. Como destacou o relatório Education at a Glance 2025,
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 24%
dos brasileiros concluíram a educação superior, ante uma média de 49% nas
nações que integram a entidade.
Tendo em vista a relevância da graduação para a melhoria da
qualidade de vida do indivíduo e suas famílias (acréscimo de 81% na remuneração
média, como constatou o Indicador ABMES/Symplicity de Empregabilidade 2025) e
para o progresso do país (que precisa, cada vez mais, de profissionais
qualificados), o setor privado tem se mobilizado para que esse nível
educacional seja melhor contemplado no novo PNE.
Para começar, é essencial refletir sobre o não-cumprimento
das metas estabelecidas no plano anterior, que previa a elevação da taxa bruta
de matrículas para 50% e da taxa líquida para 33%. Segundo dados do Inep, a
taxa bruta atingiu 42,9% e a taxa líquida ficou em 27,1%. Esses números
evidenciam que a simples reprodução de objetivos ambiciosos, sem considerar os
limites estruturais, não garantirá resultados efetivos no novo ciclo.
É preciso incorporar, de maneira clara e estratégica, o
ensino superior particular na agenda nacional, reconhecendo-o como parte
estruturante do sistema. Experiências anteriores, como o Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior
(Proies), mostraram que é possível criar políticas específicas que fortaleçam o
setor privado e assegurem a manutenção de uma rede ampla e diversificada de
instituições, inclusive de pequeno e médio portes, muitas delas localizadas em
regiões onde a presença do Estado é limitada.
Outro ponto crucial diz respeito às condições de permanência
e conclusão da graduação. Nesse sentido, políticas públicas como o Fies e o
ProUni são essenciais para que o novo PNE alcance suas metas. Contudo, é
preciso repensar critérios como renda e desempenho no Enem. Da forma como os
programas estão estruturados, muitas vezes quem mais precisa do suporte
governamental não atende às exigências impostas.
A qualidade do ensino também é dimensão essencial nesse
debate. A expansão só será sustentável se vier acompanhada de mecanismos
eficazes de avaliação, respeito à autonomia institucional e estímulo à inovação
pedagógica. O desafio é construir um sistema de regulação que não seja
excessivamente burocrático, mas que garanta padrões de qualidade, ao mesmo
tempo em que respeite os diferentes perfis e projetos pedagógicos das
instituições.
Outro eixo fundamental é o das políticas de ações
afirmativas. O PNE precisa reforçar mecanismos que promovam o ingresso, a
permanência e a conclusão para estudantes de baixa renda, negros, indígenas,
quilombolas, com deficiência e populações do campo, das águas e das florestas.
Isso implica não apenas em bolsas e financiamentos, mas em políticas
específicas de indução, que reconheçam as desigualdades históricas e regionais
do Brasil.
Além disso, a educação a distância precisa ser tratada de
forma estratégica. O novo PNE não pode desconsiderar que, nos últimos anos, o
formato foi responsável por grande parte da expansão do ensino superior no
país. A modalidade deve ser ampliada com responsabilidade, garantindo padrões
de qualidade e adaptando-se às necessidades dos estudantes. Negar ou restringir
esse caminho significaria comprometer a interiorização do ensino e o
cumprimento das metas nacionais.
É imprescindível que o novo PNE dialogue com os avanços
tecnológicos e incorpore a cultura da inovação. A inteligência artificial, os
ecossistemas digitais de aprendizagem e as metodologias ativas já são realidade
e precisam ser tratados como aliados no processo formativo. Políticas de
incentivo à inovação pedagógica, formação docente continuada e desenvolvimento
de competências digitais devem ser priorizadas, assegurando que os estudantes
estejam preparados para um mundo cada vez mais dinâmico e tecnológico.
O monitoramento e a transparência também merecem destaque. A
criação de um Observatório Nacional do PNE, com participação multissetorial,
pode garantir acompanhamento independente e contínuo, assegurando que as metas
não fiquem apenas no papel. O fortalecimento do Inep como coordenador do
processo de monitoramento, com recursos previsíveis e participação social, é
igualmente fundamental. Sem isso, há o risco de repetir o cenário do plano
anterior, no qual o distanciamento entre metas e execução comprometeu os
resultados.
Por fim, vale registrar a meta de ampliar a formação de
mestres e doutores de maneira equitativa e inclusiva, com foco na prospecção e
na solução dos problemas da sociedade. Para isso, é essencial que os
formuladores da política educacional repensem o papel das instituições
privadas. Embora tenham ocorrido alguns avanços nos últimos anos, é preciso
ampliar os incentivos e fortalecer a participação do setor particular.
O novo PNE é uma oportunidade histórica para corrigir rumos e definir prioridades realistas para a próxima década. A educação superior deve ser tratada como política estratégica de Estado, capaz de alavancar o desenvolvimento nacional, reduzir desigualdades e promover inclusão. Não se trata apenas de definir metas numéricas, mas de assegurar condições concretas para que jovens de todas as regiões e classes sociais acessem e concluam suas graduações.
Janguiê Diniz - Diretor-presidente da Associação Brasileira
de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), secretário-executivo do Brasil
Educação - Fórum Brasileiro da Educação Particular, fundador e controlador do
grupo Ser Educacional, e presidente do Instituto Êxito de Empreendedorismo