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INSS libera complemento de contribuições abaixo do mínimo, até após a morte
Da Redação | 06 de junho de 2025 - 00:02

Por Simone Lopes
Um detalhe que antes parecia insignificante — uma pequena
diferença no valor das contribuições mensais ao INSS — foi, por anos, motivo
suficiente para negar benefícios previdenciários a milhares de brasileiros.
Agora, esse cenário começa a mudar. A recente decisão da Turma Nacional de
Uniformização (TNU), firmada no Tema 359, representa uma guinada no
entendimento jurídico sobre o tema: contribuições abaixo do salário mínimo
podem ser corrigidas a qualquer tempo, inclusive após a morte do segurado, assegurando
direitos previdenciários que antes eram perdidos por centavos.
A mudança é significativa. Na prática, permite que
trabalhadores que contribuíram como facultativos de baixa renda — e que por
algum motivo recolheram valores abaixo do piso — possam complementar esses
recolhimentos mesmo anos depois. Isso garante o cômputo dessas contribuições
para fins de carência e qualidade de segurado, requisitos indispensáveis para a
concessão de benefícios como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e
pensão por morte.
Mais do que uma questão contábil, a decisão da TNU é um
gesto de justiça social. Ela reconhece que falhas burocráticas ou dificuldades
econômicas não podem se sobrepor ao direito fundamental à proteção
previdenciária. Permitir que dependentes façam a complementação após o
falecimento do segurado — e que os efeitos financeiros do benefício retroajam à
data do evento incapacitante ou do óbito — é reconhecer a importância do
sistema previdenciário como um instrumento de amparo, e não de exclusão.
Até então, o entendimento dominante era restritivo:
contribuições insuficientes simplesmente não contavam. O segurado perdia a
condição de segurado, a carência era desconsiderada e o benefício era negado,
mesmo que a diferença fosse mínima. O novo posicionamento da TNU traz
racionalidade ao sistema. Afinal, se o trabalhador já havia contribuído e
faltou pouco para atingir o valor exigido, por que não permitir a
complementação retroativa?
O impacto prático da decisão é amplo. De um lado,
proporciona maior segurança jurídica para quem enfrenta pedidos negados em
processos administrativos e judiciais. De outro, representa uma chance de
revisão para benefícios indeferidos no passado. Para muitas famílias,
especialmente as de baixa renda, essa possibilidade pode significar o acesso a
pensões antes recusadas ou a concessão de benefícios por incapacidade que foram
injustamente negados.
A tese firmada pela TNU é clara: a complementação posterior
viabiliza não apenas o reconhecimento das contribuições, mas também a
manutenção da qualidade de segurado e a contagem da carência. Mais que isso,
autoriza a fixação da Data de Início do Benefício (DIB) de forma retroativa,
com efeitos financeiros desde então — uma inovação que rompe com a lógica
excludente anterior.
Há, evidentemente, implicações operacionais para o INSS. A
autarquia deverá se adaptar à nova interpretação e revisar procedimentos,
inclusive treinando servidores para lidar com essa reviravolta jurídica. Mas
essa não deve ser uma justificativa para resistência. A decisão da TNU está em
sintonia com o espírito da Constituição: assegurar proteção social efetiva,
especialmente aos mais vulneráveis.
Num país em que o acesso à Previdência ainda é marcado por
barreiras e formalismos, decisões como essa têm o poder de reconstruir
trajetórias interrompidas e reparar injustiças silenciosas. Não se trata de
abrir brechas para fraudes, mas de reconhecer que falhas mínimas — muitas vezes
alheias à vontade do segurado — não devem inviabilizar o acesso a direitos
fundamentais.
Para quem teve benefícios negados por contribuições abaixo
do mínimo, ou para familiares de segurados que faleceram nessa condição, a
recomendação é clara: vale a pena buscar orientação jurídica. A revisão pode
significar a diferença entre o desamparo e a proteção. E, mais do que isso,
representa o resgate da dignidade de quem sempre confiou na Previdência como
rede de apoio nos momentos mais difíceis da vida.
*Simone Lopes é advogada especialista em Direito
Previdenciário e sócia do escritório Lopes Maldonado Advogados