Debates
Após 1500, como os portugueses conquistaram o Brasil?
Da Redação | 20 de abril de 2024 - 01:55
Por Víktor Waewell
De início,
portugueses passavam aqui para buscar produtos como o pau-brasil, a caminho da
Índia, onde estavam as especiarias. É que a corrente marítima que contorna a
África passa pelo meio do Atlântico, então o Brasil era um desvio não muito
grande no trajeto de ida.
Em várias partes do
mundo, os portugueses fundavam fortalezas perto da costa nas quais os produtos
que lhes interessavam eram guardados para quando os navios passassem. Em troca,
entregavam itens europeus que hoje podem parecer de pouco valor, mas não eram.
Se você precisa cortar uma árvore, vai valorizar bastante um machado de cunha
metálica. Caso já tenha ficado numa casa sem espelhos, sabe que faz falta. No
começo, os portugueses eram comerciantes, compravam aqui para vender lá e
vice-versa. Então, os povos nativos de várias partes, inclusive no Brasil,
trocavam por vontade.
No entanto, as
guerras logo começaram a pipocar.
No Brasil, enquanto
uns capitães portugueses continuavam a procurar pau-brasil, outros passaram a
caçar pessoas e vendê-las como escravas para as incipientes plantações de cana
no Nordeste. Diante da perspectiva dos grilhões, muitos nativos se uniram e deram
batalha contra a invasão. Em alguns lugares, como no Espírito Santo, os
indígenas venceram, matando muitos e queimando o que fora construído por
portugueses, retardando o processo de colonização. Em outros, os fidalgos
conseguiram aproveitar inimizades entre os caciques locais para conseguir bons
aliados para si, ocasionando décadas de grandes batalhas em terra e no mar,
como é o caso do eixo Rio-São Paulo, onde aconteceu a chamada Confederação dos
Tamoios, a nossa maior revolta indígena – que, por sinal, é o pano de fundo do
meu último livro.
Guerras assim eram
habituais para portugueses, em sua vasta rede comercial, com embates do Brasil
à Malásia, fossem contra reis locais ou almirantes otomanos. Frequentemente,
portugueses perderam. Às vezes, conquistavam apenas o direito de fazer comércio
ali e, sendo otimista, de manter o castelo perto da praia.
Só que, no Brasil,
os fidalgos avançaram cada vez mais sobre o território, até a vitória completa.
Por quê?
Diferente do senso
comum, as armas de fogo, bem rudimentares à época, não foram de grande valia.
As armaduras, sim, faziam diferença, contra povos sem metalurgia. Mas o que
realmente pendeu a balança foram as doenças. São vários os registros de
contaminação lançada propositalmente contra os indígenas, com envio de pessoas
ou objetos infectados a eles. Males que haviam circulado no resto do mundo por
milhares de anos, causando várias epidemias mortíferas, ganharam a América.
Diferente de europeus, resultado de uma longa seleção de indivíduos resistentes
àquelas doenças, os nativos morriam em proporção assombrosa.
O mundo dos
indígenas, antes da virada do primeiro século da invasão, já era um cenário
pós-apocalíptico. Cerca de 90% das pessoas morreram adoecidas. De início,
faleciam mais os inimigos dos portugueses, contra os quais as doenças eram
direcionadas. Depois, a epidemia varreu tudo. Povos inteiros no sertão que às
vezes nem tinham ouvido falar de um branco desapareceram.
Com o território
aberto, não se demoraram os hoje chamados bandeirantes, singrando o país em
busca de metais preciosos e de nativos remanescentes para serem escravizados.
Os metais foram encontrados em Minas Gerais e os nativos, difíceis de serem
domados pela facilidade de fugirem pela mata, ficaram obsoletos como força
motriz da economia, quando começaram a chegar, aos milhares e depois aos
milhões, os pretos da África.
Neste 22 de abril
lembramos o chamado Dia do Descobrimento do Brasil. Este é um jeito
incrivelmente errado de descrever a situação, pois não foi descoberto, mas
invadido, nem era o Brasil. De toda forma, o marco da chegada dos portugueses é
um dia para se pensar. De lá para cá, têm sido boas as nossas escolhas?
Víktor Waewell é
escritor, autor do livro “Guerra dos Mil Povos”, uma história de amor e guerra
durante a maior revolta indígena do Brasil.